Archive for 2011

Sinos

Essas crianças,
minha amiga,
perdoe-as.
Não sabem o que fazem.

Deixai brincar
os pequeninos.
Fazei soar os sinos.
O sol nasce a
cada sorriso.




Poema feito dia 11/11/11 em parceria com meu amigo Anderson Absm.

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Tanto, tanto, tanto

Eu já devia saber que não seria igual ao que planejamos. E nós planejamos tanto, tanto, tanto. Ou eu sonhei demais acordada. Mas talvez o sentido disso tudo seja não fazer sentido algum. E talvez eu deveria seguir o conselho que sempre dou aos meus amigos. "Respire bem fundo. Sempre lembre de respirar". Parece bobagem, mas respirar já evitou muitas guerras.
E eu nem sei ao certo em que mês começamos isso. Março? Abril? Maio? Isso que você não me permite definir. Isso que você tem paciência em lidar e sempre manter nos eixos. Nos melhores eixos e encaixes. Ora cheios de ultrajes.
Acho que a cada dia que eu passo ao teu lado é um novo desafio. Ou não é desafio. É simplesmente nós.
Há um ano atrás uma amiga tirou as cartas do tarô pra mim. Foi uma experiência boa. Apesar de que naquele tempo eu era bastante cética em relação a praticamente tudo, mas uma temporada com essa amiga me fez repensar o conceito de muitas coisas. E o que me intriga é que... Não. Por que estou falando sobre isso mesmo? Não faz muito sentido falar sobre isso aqui. Talvez nem seja permitido em algum código interplanetário.
A noite tá muito quente. Abafada. Não consigo nem escolher uma bebida para aliviar o calor, pois penso somente em ti. Pelo menos o céu está estrelado, ou seriam vários helicópteros?
Apenas mais quatro meses. Sobreviveremos até lá? Será se não entrarei em crise de novo e resolverei te deixar? Te ignorar e falhar como das outras vezes? E ansiar por uma ligação tua, por um abraço, por beijos demorados? Ou pelas broncas pelo cigarro, por ficar sem dormir, por trabalhar demais? Mas eu sei que nunca levaria bronca por beber muito café. Talvez até levasse, mas por não ter dividido contigo.
Esse talvez seja o pior dos castigos: beber café sem ter você do lado. Sem ver as primeiras luzes do sol banhando teu rosto e te fazendo sorrir pra mim de olhos fechados. E mesmo sendo um castigo, eu sempre me ponho a imaginar assim que pego a xícara da asa quebrada.

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Feliz Ano Velho

Por um acaso ou não da vida, nossa música começou a tocar assim que chegamos à festa. Ou seria apenas a música que elegi como nossa. Talvez o fato de eu ter repetido ela mais de 15 vezes ao teu lado tenha tornado-a assim nossa música. Não sei como minhas manias ainda não tinha nos separado.
Esperei você me chamar pra dançar, mas o convite não veio. Fui direto para o bar e pedi logo um shot de tequila. Você fez cara feia. Mas afinal, quem era o mais errado?
Eu, obviamente. Eu sempre fora a mais errada. Sempre reclamava de mundos e fundos, e então você apenas respirava bem fundo e me abraçava. Muitas vezes eu buscava te irritar com bobagens apenas pra te ver respirar fundo e vir me abraçar. Às vezes ou sempre, eu me pegava questionando o porque de você continuar comigo. Não era apenas sexo. Isso a gente pode ter com qualquer um. Mas aonde que você achava o algo a mais em mim?
Continuei sentada perto do bar, alguns amigos vieram me cumprimentar e então olhei pra pista de dança. Lá estava você dançando com uma garotinha. Ambos desengonçados.
Sorri. Pedi outro shot.
Eu nunca me acostumei com você, com seu silêncio. Mas me acostumei com seus carinhos, suas piadas, seus filmes e sua péssima escolha de X-Men. E seus abraços. Eu não saberia viver sem eles. Eu não saberia viver sem você. Logo você, que sabia lidar tão bem comigo, me conhecia (sim) bem melhor do que eu mesma. Como eu poderia ter me acostumado a tal ponto de mudar hábitos da minha juventude? Era sempre engraçado lembrar como começamos a nos envolver verdadeiramente. Será que podemos provar que era verdadeiro? Pelo menos pra nós dois. Pelo menos pra nós.
- Amor?
E então você veio até mim pela milésima vez. Ignorando a minha infração nas bebidas, ignorando seu esquecimento da nossa música, sempre ignorando tudo. Preferindo estar sempre de bem e me comprando com seus abraços. Totalmente irresístiveis. Totalmente tentadores. Totalmente imprevisíveis.
E as três palavras que aguardavam silenciosamente para serem sussurradas no teu ouvido. As três palavras que sempre que você me abraçava eu as repetia mentalmente. Teimava em ser a primeira a falar. Buscava mil desculpas para atrasar o momento de dizê-las. Escrevia-te poemas e dentro deles escondia elas, sendo assim meu modo de sussurrá-las para ti.
Meu medo, tu sabes, era ao declarar algo, e então o mundo fazer de tudo para estragar. E nós dois estávamos tão bem em nosso silêncio. Em nosso segredo das três palavras.
As doze badaladas soaram. Todos se abraçaram, brindaram, ouvia-se os fogos de artifício e eu estava no aconchego do teu abraço:
- Feliz ano velho, amor.
- Feliz ano velho, meu amor.

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[Vídeo] Dia D' Drummond

Minha amiga Zanny fez um vídeo lindo com fotos e algunas gravações do Dia D' Drummond que organizei junto ao Coletivo Caimbé. Dá uma olhada!


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Convesa de Botas Batidas

Estávamos deitadas na sua cama. Escondidas sob o lençol. Não sabíamos se era dia, tarde, noite ou cedo demais para pensar nisso. Mas nos escondíamos do mundo ali debaixo do teu lençol florido. E ao abraçar-te e sentir teu perfume, fazía-me esquecer de todo o resto.
Distribuí beijos por teu rosto, talvez numa tentativa de depositar meu amor e te fazer senti-lo mesmo na minha ausência.
- Preciso tanto de ti, meu bem.
Falei por fim, aliviando um pouco meu fardo. Meu medo - ja constante - em não declarar o que sinto sempre me atrasava, me fazia perder bons momentos, quase que me fazia perder-te. Mas desde que recebi o conselho de uma amiga para fazer do amor como quem bebe vinho para se aquecer e relaxar (e outros benefícios mais que o vinho em si trás), e desde que te conheci - o mais profundo possível -, tenho feito de meu amor por ti vinho. Um raro e divino vinho. Embriago-me nele toda vez que estou contigo.
- Morena, não sei como você consegue ser como é. Encaixa tão bem. Tão encantadora...
E a cada palavra você prendia minhas mãos nas suas. Eu não conseguia desviar meus olhos dos seus. Tão doces e sedutores. Ora tristes, ora cheio de amores. Ora somente teus.
- Acho que estou me apegando demais em você... Não sei se é bom ou ruim.
Fechei meus olhos. Concentrei-me apenas no teu perfume, no teu corpo junto ao meu, no calor que produzíamos. Você sentia o mesmo temor que eu. Talvez o certo seja apenas dúvida. Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, você enxugou com sua mão.
- Só não esquece de uma coisa: Amo você mais do que chá com bolo.
Eu não esqueceria. Nem mil vidas seriam capazes de apagar aquele momento. Eu buscaria condensá-lo de algum modo, o reproduziria de mil formas e cores na minha mente.
- Amo você mais que queijo.
A luz apagou.
Eu estava novamente no balcão do bar, acendendo o último cigarro do maço, bebendo a última dose de vodca que podia pagar. Sua presença continuava tão forte mesmo depois de anos sem vê-la. E a sensação de nunca pertencer e ao mesmo tempo pertencer, sempre prevalecia.

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Feliz Natal, J.

O sol nascia, mas mal o víamos. O céu nublado e a neblina solta na rua. Voltávamos de mais uma sexta-feira no Conjunto João XXIII. Eu já nem lembrava o que tínhamos feito exatamente ou cronologicamente durante a noite toda. Estava cansada e concentrava-me apenas no caminho da tua casa. Ainda havia uma ladeira enorme pela frente. Bricávamos de quem andava em linha reta, contávamos segredos, piadas, lapsos da noite passada e eu subia a ladeira de costas.
Você já estava acostumada com a subida, sabia de detalhes da rua que só com o tempo a gente percebe. Eu me acostumaria e sentiria falta dela nos meses seguintes; procuraria qualquer ladeira íngrime na minha cidade somente para subi-la e enganar-me por uns segundos achando estar indo pra tua casa.
Eu subia a ladeira de costas somente para olhar-te e ver os primeiros raios de sol iluminando teu rosto, dando um tom diferente aos teus olhos.
Nunca mais subi ladeiras de costas. Eu não tenho quem admirar e ninguém caminha comigo pelas ladeiras em troca de uma boa conversa.
Dias desses fez um ano que não te vejo e nem vejo aquele teu piscar de olhos ao pedir algo que me fazem rir. Suas tiradas sarcásticas, seus dramas, sua gargalhada, seus olhinhos fechados ao sorrir, seu jeito concentrado ao assistir algo que gosta muito, sua mania por talheres iguais, seus raros abraços...
Hoje subi mais uma ladeira, o sol nascia, a neblina ja desaparecia e eu sorria ao lembrar de ti.
Feliz Natal, J. Amo-te.

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Prosa com o Chesco

- Vou pra casa assistir Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças.
- Esse filme é um dos mais lindos que assisti... É de uma simplicidade gritante, e o argumento então... É bonito e triste.
- Eu sou bonita e triste. 'Cabou a história.
- Outras porque você é linda e exala vida. Eis o início da história.
- Mas como pode uma pessoa triste exalar vida, meu amigo? Sou uma flor murcha, sem cor nem perfume. Perdida dentro de algum livro.
- Você não é uma pessoa triste. Você é um daqueles tipos de Prometeu Acorrentado raros que encontramos nesta vida.
- É uma boa definição. Mas a ave ao invés de comer meu fígado, come meu coração. O fígado, quem destrói é a bebida. haha
- Realmente estamos conectados, pois meio que minha lógica traçou um caminho próximo ao seu. Eu nem fígado tenho mais ha ha
- Lembra da história? Só o fígado se restitui. O coração não entrou no acordo com os Titãs haha
- O coração nunca está de acordo... Eita negocim complicadim...

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Indiretas

Jogo de indiretas e sem
meta ou métrica alguma.
O meu tempo passa,
passa mais rápido que dos outros.
E tu não percebes que
foi-se deixando para trás?
Teu erro foi acomodar-se.
Calar-se.
A bem da verdade,
teu erro foi tentar continuar comigo.
Contentar-se.
Vedastes teus olhos
para o verdadeiro inimigo.

De nada vale as indiretas, meu bem.
Ninguém consegue conviver comigo.
Pra quê otimismo?
Jogo falho, mas divertido.
E não te digo:
"Vem! Reconquista-me!"
Sei que tu não o farás.
E se o fizer, nada adiantará.
Ou um ciclo tedioso será nosso vinculo.
Mostra-me outro caminho, Lino.

Pensei gostar da tua indefinição.
E gostei.
Era novidade, quis aprender, provar
Te provar.
Mas a novidade passou
e você ficou sentado no sofá assistindo o Juventus ganhar.
Que diabus de vida é essa?
Mais regressa e eu com tanta pressa de viver.
Sou mulher, homem, bicho, mutante.
A verdade te arremessa
contra o espelho que me mostra.
Fico nua
e todos os meus defeitos estão expostos.
Ainda assim tu continuas calado
cego, indecifrável.
É uma crise e uma falta de crase.
Não consigo viver de poucas frases.

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Benção de Baco

Noite clara, vida cheia.
Amigos relapsos conseguem ser - e se fazer - presentes.
Memórias e risos juntos,
repletos de significados.

Amor, paixão, tudo se mistura.
Música, calma, vinho,
vida de leveza,
beleza do vulgar

Pensamentos de amor,
fazemos tudo sem qualquer pudor.
Bebíamos a sorte em cor vinho.
Uma total distribuição de carinho.

Ebriedade, poesia
enquanto o mundo gira em nós
e eu parado em mim.
E nessa taça, um infinito mundo.

Por Ágda Santos e Daniel Lira

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A Moça em Cetim

A gente - pelo menos quem ama verdadeiramente - tenta de algum modo eternizar a memória de quem amamos em algo, em alguém. Mas em alguém chega a ser uma traição. E só o que sei fazer são versos e é neles que tento guardar a memória de uma amiga que perto ou longe cuida de mim todos os dias. De modo único, ela se faz necessária nos meus dias. E os que passam sem uma palavra dela, são vazios, sem a plena graça da vida, do humor, da poesia. E é na poesia que tento esconder pedaços da Ju Cimeno. Porque somente eu e ela saberemos que aqueles versos tem o brilho de seus olhos, seu sorriso, sua voz... É através dos versos que quero mostrar meu amor por ti, J.



No trepidar das pedrinhas
sob o solado dos teus pés,
mil momentos se prendem
em loucos brados fiéis.
A moça em cetim passa
os olhos ameaçam
os dentes cerram-se
e a moça em céu passa.

Campos vastos pelo mundo
afastam-te de mim.
Tornam-me um moribundo,
servo de Afrodite, fraco e cego.

Tão fraco e seco, pobre de mim,
que inventos de carne e de cetim
lembrando-me que sim, sim, sim,
sim, sim, sim!
A vida assim
não tem sentido pra mim
se a moça que guarda na sua bolsa
os meus batimentos cardíacos
não me passa nem me passará
pelo gosto do seu vivo uivo maltido.

E assim, assim, assim
o cetim passa, a moça passa,
o céu passa, o sangue cessa.
Seca a máscara no rosto
as entranhas, artérias, veias, teias, seca
Racha.
Acaba.


Agradecimentos a Jacque e Anderson pela companhia nos versos e nas cervejas que ja nem lembramos mais.

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1º de Outubro

Para J.A

E esse Outubro que nunca se finda, menina?
É um eterno 1º de Outubro na tua presença.
Vinhos, poesia, nossos amigos,
signos solares astrológicos meteorológicos patológicos psicológicos
prevendo um futuro que nunca chega.

Mas nós bem sabemos que o tempo
está indo embora no carro solar e ninguém nota.
Tão absortos no voo de uma gaivota
desenhada num ano qualquer do século XVII
e que agora habita o Louvre.

E aqui nunca deixa de ser noite.
A sensação que tenho
é sempre esse 1º de Outubro que nunca acaba,
a noite não passa,
o som não cessa,
a garrafa não seca e tu não se cala.

"Tem agora a mesma idade que Maria,
abre só pra ti uma garrafa de ginja
e assiste calmamente o fim do mundo."

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De Frente em Verso

Minha vida é uma bagunça, tu sabes. Toda minha vida anda tão bagunçada que nem me preocupo em dizer se é a parte amorosa, acadêmica ou profissional que anda na mais pura algazarra, fazendo batucada na Avenida Rio Branco do meu coração.
E como se não bastasse, te coloquei no meio. E foi totalmente proposital. Talvez por culpa do sol ao norte equatorial, sequencial ou qualquer coisa pra usar como desculpa em não falar o quanto és especial. Provavelmente porque eu gosto de toda essa bagunça. Provavelmente porque tudo em ti me desperta uma curiosidade sem medidas que todos os dias tenho que domar. Orgulho maldito, serve como freio aos meus mais profundos desejos.
Fico imaginando muitos anos a frente de nosso tempo, no dia em que - quem sabe - escrevam uma biografia sobre minha vida. E o trecho mais importante para mim seria sobre esse bando de amores que ando tendo e nenhum me tem.
E que entre todos esses amores você consegue ser o único que machuca mais, o que detêm a maior parte da atenção e inspiração. Que provavelmente ganhará uma dedicatória em algum livro, que é a Madonna de meus sonhos e poemas. Das músicas e quadros modernistas. Dos poemas de bar onde não consigo evitar de te citar como a Menina Travessa que sempre finge me esquecer... Ou deveras esquece-me mesmo. Sou mero brinquedo.
Diz-me por que abusas tanto do teu orgulho, Camena?
Ou de mim, ao menos.
Não sou poupada e muito menos arranjo pousada na tua vida. É um teste pra ver o quanto aguento? É um castigo por ter voltado a casa de meus pais sem desperdir-me de ti?
A verdade, talvez seja, que eu entrei nesse barco sozinha e o sol nunca deixa de ser meio-dia, fazendo com que meu único refúgio seja imaginar qualquer coisa na falha tentativa de manter-me sã.

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Camena

Camena, minha menina
Tu és cerveja, cigarro e suor
Cachos, sorrisos e abraços,
vários gestos num só.

Tu não és morena, Camena
mulher serena, filha de Ogum
muito menos amiga, filha ou avó.
Quando vou descobrir que nunca serás
- de um homem só?

Teus versos não me iludem mais
tua prosa não me satisfaz
Oca. É assim que te vejo.
Ecos. É a única resposta que tenho de ti.

Mas teus cachos, ah teus cachos.
Esses Camena, são donos de mim.
E teus lábios, abraços e cochichos
Calam os avisos que tentam me afastar.

Sou louco desvairado
Embriago-me em teus abraços
-curtos abraços.
E divago, e viajo e desejo-te perto.
E então devoro-te e acabo com este fardo.

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Flu ir te

A única coisa que reclamo agora é a distância de ti.
Porque o destino é assim?
Cruel e irônico
feito menino medonho
a afastar-te de mim?

Consolo-me pois com versos ébrios
desejos futuros
planos cabíveis, realizáveis.
Uma manhã depois e tudo passa.

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Resposta ao Trovador

Resposta ao poema do meu querido amigo Daniel Lira: http://conviteatristeza.blogspot.com/2011/10/minha-musa.html


Oh, trovador apaixonado
Não te iludas tanto assim
De nada vale essa musa
Sem um pedaço de ti.

Em ti ela busca a loucura
e despeja os males da vida
divide um vinho barato
e o consolo que nunca se finda.

Doce trovador apaixonado
quis o mundo a tua partida
Escondi pois os meus lamentos
E pus-me a festejar tua ida.

Desejo somente tua felicidade
dom esse herdado de nossa amizade
De outras vidas, eternas idas
Dolorosas partidas e loucas paixões.

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Vamos beber Drummond?

Por Agda Santos e Edgar Borges


A plataforma baixa da Orla Taumanan será palco da celebração em Boa Vista dos 109 anos de nascimento do poeta, cronista, contista e tradutor Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores nomes da literatura brasileira. O sarau comemorativo começa às 17h30 do próximo domingo, 30 de outubro, e está sendo organizado pelo Coletivo Arteliteratura Caimbé.

As pessoas podem participar apenas ouvindo, mas o ideal é que cada uma leve um livro ou poema de Drummond e leia um pouco para os demais presentes, compartilhando o que mais gosta da obra do escritor. Nos intervalos das leituras será feita a audição de textos do poeta que foram gravados por atores.
“Nossa intenção é de que cada um declame seu texto preferido de Drummond e celebre o nascimento dele, que ocorreu no dia 31 de outubro de 1902, em Itabira, Minas Gerais. Portanto, traga seus poemas preferidos, sua bebida gelada, seus amigos, parentes e o que mais desejar e vamos festejar”, convida a contista Ágda Santos, uma das organizadoras do evento em parceria com Edgar Borges, integrante do Coletivo Arteliteratura Caimbé.

Em várias cidades brasileiras haverá atividades comemorando o “Dia D` Drummond”, marcado para segunda. A antecipação em Boa Vista atende às particularidades da cidade, explica Edgar: “é mais fácil as pessoas deixarem a sua casa um domingo à tarde para uma confraternização com outros leitores do poeta que esperar que façam isso na segunda, dia de trabalho, estudo e outros afazeres.”
“Vi que muitas cidades iam comemorar o nascimento de Drummond e nasceu daí a vontade de realizar algo também aqui, já que conheço muita gente que gosta dele. Por isso fiz a proposta de parceria ao Coletivo Caimbé, que topou organizar o sarau”, conta Ágda, que escreve contos, poemas e crônicas no blog http://www.papeldesemica.blogspot.com/.
“Algumas pessoas já falaram que vão levar vinho para brindar o Dia D. Essa é a intenção: beber, literal e metaforicamente, Drummond, autor de poemas que estão no imaginário coletivo, como o mais que conhecido ‘José’”, afirma Edgar. Este é o segundo sarau do Coletivo Caimbé neste mês. Na semana passada, durante a VI Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em Roraima, ajudou a organizar um encontro de cordelistas e declamadores de poesias. As fotos desta e outras atividades estão disponíveis no blog http://www.caimbe.blogspot.com/.


O POETA - Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira MG, em 31 de outubro de 1902. Estudou na cidade natal, em Belo Horizonte e em Nova Friburgo (RJ). Começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, em BH, onde conheceu adeptos do movimento modernista mineiro.
Formou-se em farmácia na cidade de Ouro Preto em 1925. Ingressou no serviço público e, em 1934, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação, até 1945. Trabalhou também no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e se aposentou em 1962.


Entre outras obras, publicou Alguma poesia (1930), Brejo das almas (1934), Sentimento do mundo (1940), José (1942) e A rosa do povo (1945). Morreu no Rio de Janeiro RJ, em 17 de agosto de 1987, poucos dias após a morte de sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade.


Mais informações sobre o sarau:
Ágda Santos (9133 6814 ) ou Edgar Borges (9111 4001)

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Marco Polo

Tu vais atravessar o Atlântico,
O segundo maior oceano
- e mais umas milhas de terra.
E mais uma porção de desconhecidos.
- e uma porção de batatas.

Qual a distância entre o Brasil e a Espanha?
Será que o Ocidental anda a atentar por lá?
Quanto custa o café?
Quanto custa uma partida de sinuca?

Então ponho-me a compor isto
Que atravesse o mundo em um segundo
E te faça lembrar de mim
E que te faça sorrir outra vez.

Minha amiga, tu vais pra Espanha!
Ainda não quero crer nisso.
Seis meses ou mais ficará por lá
E contigo levará meu mais sincero sorriso.

Mas que tu não faças igual Marco Polo fez
Voltar pra casa 24 anos depois
Rico de saber e tesouros
Porém esquecido por familiares.

Mas tu, sendo o Marco do meu Polo
E outras vezes o Polo do meu Marco
não corres risco de ser esquecida
- nem por mim, nem por ninguém que te quer bem.
E sim de ser mais amada que antes.

Pois agora fico a imaginar:
o que aprontarás.
o que aprontarei.
O que faremos no dia que conhecermos o rei.

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Teus cachos, morena


Te espreito de longe.
Teimo em dizer que não teríamos assunto.
Um cigarro.
O tempo defumar um cigarro é o que tenho ao teu lado.

Te ofereceria um maço,dois ou três se não fosse algo insano,
algo tão destruidor,
poisao invés de me dar mais tempo contigo,
ele tomaria posse de minutosfuturos. - Injusto. -

Teu riso ali, semprepronto ao final de casa frase minha.
Talvez fosse o excesso dealegria, excesso de bebida,
mas eu continuava a falar qualquer coisa
pra ouvir teu risomais uma vez e outra vez...
E era só o que eu poderia oferecer demais sincero: minhas palavras.

Teus cachos em meusombros,
teus braços envolvendo meus ombros.
Teus cachos, morena.
Meus braçosenvolvendo-te.

Percebo então que nãolembro de teu rosto,
apenas de teus cachos, teu riso, teus abraços.
É ruim não lembrar do teu rosto?
Mas eu lembro dos teus cachos,morena. Não é suficiente?

Então a gente combina.
Vamos estar seguros enquanto um esquecer o rosto do outro.
Vamosnos esquecer todos os dias.
Só não posso prometer esquecer teus cachos,morena.
Só não posso prometer isso.

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Embrace My Heart And Stay (A Resposta)

Um sol a pino. Bem alto e quente.
Fiquei sozinha no Café lembrando o tempo que apenas ficávamos ali. As nuvens passavam carregando os minutos. Depois... Depois longos suspiros surgiam lamentando a interrupção - obrigatória - daquelas férias que inventávamos.
Os dias andam silenciosos. Meus pensamentos quietos. Procuro nem cutucá-los. São como maribondos. Melhor passar por eles e fingir que não existem.
Não sei bem o motivo disso tudo. Não sei na verdade o que seria correto falar-te. Pois cada vez que falo, digo algo errado, tu compreendes o que não era pra ser compreendido. Enrolo-me num bolo de linhas que não me machucam, mas me prendem e não me deixam fazer mais nada.
Preocupo-me contigo. Teu silêncio incomoda-me.
Mas onde posso reclamar? Também sou assim. De certo modo sou assim.
Demoro a dizer as coisas com medos delas acontecerem. De se concretizarem além dos limites do meu pensamento. É sempre assim. Não contigo, mas comigo é sempre assim.
Demoro a dizer.
Demoro a conhecer, demoro a falar, demoro a acostumar, demoro a abrir mão, demoro a largar mão de tudo. Demoro.
Na verdade, desconhecer é que perturba. Pois penso e vejo tudo através do que sei em meu mundo, em minha volta. Teu silêncio é que me perturba. Sai desse casulo e me fala. "Conversa comigo". Não é assim que tu costuma dizer? Mas... Mas... Só escrevo isto pra tentar de algum modo mostrar meu lado.
E tu nem foi. Ainda.
Mas como deixar claro que quero que tu vás, que aproveite tudo, conheça aquele pedaço de mundo... Como dizer que desejo isso de modo sincero? Mas desejo, um pedaço de mim deseja e até ajuda no que for necessário. No que for útil. Um pedaço de mim se esconde na bagagem e vez ou outra tu o carregará pela cidade. Pois lembro-me muito bem da primeira vez que saímos, onde narrei boa parte de minha viagem. Onde plantei em teu peito a vontade e necessidade de bons meses fora de nossa cidade. E então busco aquele meu 'eu', que deseja a liberdade a todos, que deseja a felicidade de todos, que te deseja seis meses sensacionais.
Meu outro pedaço, esse deixo de lado. Já tem egoísmo demais no mundo. Pedaço teimoso esse, mas deixa ele pra lá. Deixa ele pra lá. Acalento ele com livros, músicas, cafés e chopps matinais.
Apenas quero dizer-te de algum modo que me assustei com tua novidade. Mas ela é bem melhor do que te ter ao meu lado sentido falta da mais bela flor que já conheci. Eu não saberia fazer-te feliz. Daí que ninguém ficaria feliz. A mais bela flor lá, tu cá tristonha e eu aqui a escrever sobre tudo.
E então, que me dizes? Consegui convencer, Oskar? Consegui abrir um sorriso no teu rosto?
O susto passou, meu sentimento egoísta um pouco, mas o suficiente pra acostumar com a idéia. E agora defendo-a, apóio-a. E tu nem vais por completo, tenho um pedacinho teu comigo. Se necessário, chantagearei tua volta por esse pedaço. Obrigar-te-ei a fazer promessa dos dedinhos. Apelarei por qualquer certeza de tua felicidade lá e a volta pra cá.
E tu nem foi. Ainda.
Sabe, o tempo é totalmente ignorado em nosso meio. Eu ignoro até o extremo, até outras coisas se tornarem mais importante do que simplesmente estar contigo, rir contigo, abraçar-te, fazer-te rir, dividir minha vida, cafés, chocolates, cervejas... Ignoro o tempo por tão poucas coisas contigo. Ignoro o fim do mês, as contas... Só pra tomar mais um cafezinho contigo.
E não planejo nada. Levo sempre uma toalha comigo, então está tudo bem. Levo uma história num pedaço de papel na carteira e está tudo bem. Levo um sorriso que poucos percebem, pois sei que tu vens.

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Eu por Nós

Nublado. Frio, pouco vento.
Na verdade, muito nublado, muito escuro. Tivemos que acender algumas velas. A energia elétrica sempre sumia por essas horas.
Almoçamos a luz de velas.
Você deixou de elogiar minha comida há alguns meses. Talvez a falta de emprego fosse o que apenas ocupava sua cabeça. Talvez fosse... Não, estar desempregado sempre te incomodou. Ou talvez porque você sempre ficava calado depois de nossas brigas. Elas se tornaram constantes.
Brigamos porque eu não queria que gastasse uma vela. Não sabia se íamos ter dinheiro para pagar a conta de energia do mês. Melhor prevenir.
Mas você não quis, acendeu a vela e a colocou lá, toda imponente. Pensei comigo mesma que você apenas queria ver meu rosto enquanto comia. Nada disso aconteceu. Você terminou de comer, lavou seu prato e saiu.
Fiquei na mesa remexendo a comida pra lá e pra cá. Era meu dia de folga.
Nunca gostei de folgas. Elas me cheiravam a nostalgia. Nunca havia coisas pra ocupar meu tempo. Pra impedir-me de folhear o passado, de sentir falta e desejar sair daquela casa. Da nossa casa.
Você não fazia a miníma ideia do que se passava dentro de mim. Fechou-se em sua bolha de preocupação e se quer perguntou porque eu andava tão enjoada ultimamente, tão chateada, aborrecida.
Nosso quintal estava cheio de lama. A chuva não dava trégua. O jardim estava destruído. Mas ainda assim peguei uma cadeira e sentei bem no meio. Finquei meus pés na lama. Estava fria e bem no fundo, dava pra sentir que alguma grama sobrevivera.
Tentei imaginar a gente como aquela grama. Sufocada por lama. Sufocados por problemas. Cada um por si. E eu por nós.
Eu sempre lutando por nós.
Havia uma bagunça dentro de mim. Medo, nervosismo. Eles comandavam.
Queria você ao meu lado como no começo, nem que fosse ao menos pra dizer que tudo ficaria bem, que não ficaríamos longe um do outro.
Perdi o tempo ali, sentindo cada pedaço do meu corpo, sujando os pés na lama. Nem percebi quando você chegou. Ficou parado na porta me olhando. Parecia ter envelhecido 10 anos. Mas ainda assim era o meu Bernardo.
Fiquei a olhar-te, e tu lá. Na soleira da porta. Ali na lama eu era só uma menina travessa, pedindo atenção. E você continuava parado. Abaixei a cabeça, sujei mais ainda as pernas. Então, sem mais nem menos você se aconchega ao meu lado, seus pés na lama brincando com os meus.
Espero um pouco, sinto teu cheiro, brinco com teus cabelos, tu beija-me a nuca e sussurro: "tudo vai ficar bem, meu menino". Mas não é pra ti que falo e sim para meu ventre, para nosso filho. E nem isso tu percebes. Sussurro então dessa vez pra lama: "És apenas um teste, mas mesmo sendo um, ainda divirto-me contigo". E tu continuas a brincar com meus pés na lama. Acha apenas que estou a citar trechos de livros novamente. Por fim, seguro teu rosto com minhas mãos: "Vou embora amanhã. Voltarei para minha cidade".
E nenhuma feição muda. Olhos cabisbaixos, as olheiras de sempre, a barba por fazer, as sobrancelhas caídas. Nada muda. Era sempre eu por nós.

Posted in | 2 Comments Local: Boa Vista - RR, Brasil

Deixa o Tempo pra lá

- Sabe, é melhor parar de prestar atenção no tempo. No quanto ele corre, foge e ainda pula das nossas mãos. Veja só hoje, acabamos de levantar e já é hora do almoço! 'No me gustas esto'. Ou veja ontem, o que fizemos ontem mesmo? Nada? Não, fizemos um monte de coisas e ainda faltou outro montante. Vê essa pilha de livros aí do lado pra guardar, era tua tarefa, mas inventastes de ficar com febre justo no pôr do sol.
- Estranho né?
- Lá vem com teu cinismo. Não gosto disso. Sempre brincando comigo. Já disse que não tenho paciência. Só tens sorte de que meu amor por ti é grande. E tu abusas! E como! Podia ao menos ter feito o almoço hoje. Não, pensando melhor. Fizestes bem ficando quietinho. Muito esperto, mas não abuse de minha paciência. Vais dormir no sofá qualquer dia desses! Há mais se vai se continuar com essas tuas brincadeiras...
- No te gustas?
- Ampliar o vocabulário de espanhol pode ajudar na viagem, sabe? E veja só! Já temos que viajar semana que vem! Como pode o tempo brincar com a gente assim? Quando eu era criança, o dia demorava a passar quando eu estava com a babá. Queria tanto minha mãe que ele demorava a passar. Um tormento danado. Ou na escola. Ou na universidade. Mas veja hoje, uma manhã só conversando contigo e a tarde já chegou. Um domingo tranquilo e já é quarta-feita. Quis tanto essa viagem e cá está ela, fazendo-me correr com tudo de um lado para o outro.
- Sem necessidade alguma.
- Claro que há! Se não for eu, quem vai arrumar as malas? Quem vai conferir as passagens? Quem vai trancar a casa? Quem vai pedir pro vizinho receber as correspondências?
- Tenta respirar pra falar, meu amor.
- Com certeza vou esquecer algo. Sempre esqueço algo. Lembra da viagem até Portugal? Que esqueci meus óculos? Foi terrível! Não poder ler, não poder enxergar direito as obras de arte, os homens bonitos! Acho que nessa viagem esqueci uma porção de coisas, mas o óculos foi o que mais fez falta. Faço tantas listas que até delas me esqueço de cumprir.
- Faz assim, esquece o tempo apenas. Deixe ele pra lá. Olhe ali no canto, as malas estão prontas. Você leu o recadinho que deixei na geladeira? Não, né? Pois é... Ontem pedi pro vizinho receber nossas correspondências, já até avisei o carteiro. As passagens estão na sua bolsa, aquela ali verdinha em cima das roupas que você separou pra vestir na viagem. Muito lindas por sinal. Seus óculos estão na sua cabeça. E o quê mais? Há sim, pedi pro Fernando vir todo fim de semana regar as plantas, dá uma olhada na casa. E ele nem quis cobrar nada! Acreditas? Então fazes assim igual a mim: Larguei o tempo há 68 anos atrás, quando te vi subindo o altar. Agora achega-te aqui e sente que cheirinho bom que tá essa lasanha.

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Café Planetário

A qualquer hora, café. Só café. Pergunte se tenho tempo pra ir ao batizado de um sobrinho que te direi que não. Pergunte se tenho tempo pra um café na esquina, que já estou puxando o banquinho e estendendo a caneca. E aí divago.
Já pensou? A qualquer hora, amor. Bem ali. R$0,50. Baratinho e quentinho. Ainda dá pra dividir com amigos. Mas não qualquer amigo. Tem que ser aquele que também divide, aquele que dá um abraço forte mesmo quando não se precisa de abraço. No dia quente, na noite gelada.
Vendo café, pagar com abraços. Vendo abraços, pagar com café. Bem encorpado, forte, na medida certa. E aí, na falta dos trocados, dou amor. R$0,50. Não engorda e não mata. Na falta das moedas dou amor.
Botões, toques, moedas. Parece tudo prático. Plástico. Nada natural.
Daí o busco. O natural. E acho. Acho-o sensacional. Lá no planetário. O café Planetário, digo.

- Um café, por favor.
- Só um café? Temos um bolo delicioso.
- Só café.
- Tem certeza? O bolo tem uma calda deliciosa de chocolate que eu mesmo fiz.
- Olha seu moço, eu só tenho dinheiro pra um café. Então, um café, por favor.
- Ah sim, desculpe.

Talvez vender amor, ou dar amor de troco não seja algo bom. Tem tanta gente que nem isso pode. Tipo eu. Nem amor eu posso. Fujo dele. É mais fácil. Só fico andando por aí. E até me apaixono às vezes e quando percebo, fujo. É mais fácil. Só machuco de leve. De raspão. Sara rápido. Um café depois e já esqueci. Na esquina seguinte começa tudo de novo.

- Seu café é uma cortesia da casa.
- Olha, eu poderia dizer que não sou mendiga pra aceitar esmola. Mas sua calda tá tão apetitosa que vou engolir esse orgulho junto com ela.
- Então divide comigo, não foi eu quem fiz a calda. Ai engulo minha timidez junto também.
- Ora! Como não? Tu me disse a pouco...
- Disse. Mas foi só uma cantada de muita sorte. Anda, me dá um pedaço grande.

Tá quase na hora da fuga. Mentiu pra mim, me deu uma fatia de bolo deliciosa, pediu um pedaço grande e burlou toda a formalidade que quase não existiu entre a gente. Bebeu do meu café. Queimou a língua. Disse que café não era pra ele. Café é coisa de gente séria. Perguntei-lhe se eu parecia séria. Ele disse que não, mas porque gostava de mim. E só por isso não me achava séria. Nesse momento sei que há algo além disso. Nós dois queremos algo além desse café. E então eu já estava quase fugindo. Terminamos o lanche, tínhamos que voltar ao trabalho. Ganhei carinhos, beijos roubados. E roubei beijos também. Não nasci pra ser santa. E afinal, já estava fugindo. Antes de fugir há de se pelo menos conhecer o caminho que em breve será abandonado. Que será largado por muito tempo até topar numa esquina de novo, em algum café no fim de tarde, no meio da noite, no raiar do sol.
Despedia-me do café Planetário. Do bolo e café delicioso. E do garçom também. Moço guapo que não gostava de café. Passaria bem longe dele. Do café Planetário, digo. Tão bom que era o café de lá.
Mas é isso. É só café. Tenho dinheiro só pra um café e nada mais. Quero só um café e nada mais. Não se iluda comigo. E aí sigo cantarolando: "Não me leve á sério, me leve apenas pra andar por aí".

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Lio III

Momentos criativos.
Todo momento é criativo, mas eu raramente percebo ou quando percebo, não lembro de anotar aquela frase genial, aquele conto sensacional... Escapa-me pelas mãos.
Dizem que escrevo microcontos (e contos também) quando comento nos blogs de amigos. Não sei, acho que não. Mas alguns comentários até me dão ideias do que escrever por aqui.
Peço autorização e mãos a obra. Se bem que só fiz isso duas vezes. Pessoal não anda inspirado em comentar. Parece que nem leem o que o post quer dizer. Mas tudo bem, dizem que o mundo tá uma correria hoje, né? Sei não, essa noite demorou a passar pra mim. Nunca vi mais longa. Quer dizer, já vi sim, mas não posso comentar nada, coisas boas a gente não espalha.
Eu vim aqui cheia de vontade de escrever algo bem apaixonante, que vibrasse no coração de alguém. Mas ele deve estar ocupado demais esquentando os pés com um gatinho chamado Lio III (ou será Lion?). Um fofo. O gatinho, eu digo.
Mas voltando, essa semana tem sido bem exaustiva. Trabalho de manhã, trabalho de tarde, universidade à noite. E eu ainda inventei de ir caminhando do meu trabalho até a faculdade, perder uns quilos, malhar as pernas e economizar na passagem do ônibus (pra comprar café no lanche monopolista do bloco I). Não é insano, dá uns 25 minutos a pé quando estou conversando pelo celular com o cara que esquenta os pés com um gatinho chamado Lio III (ou será Lion?). Cansa, mas só fiz isso na segunda-feira, porque terça e sexta-feira eu curso espanhol e ganho carona do Oskar. Hoje teria que fazer de novo, mas minha maré de sorte não tá muito boa. Não, eu não leio horóscopo - quer dizer, às vezes leio de bobeira, pra rir um pouco, mas acreditar mesmo nem pensar -, mas uma amiga já leu as cartas do Tarô Wicca pra mim uma vez. Foi bacana. Sinto falta de todo o esoterismo que ela me passava. Era único.
Ah sim, o que eu falava? Momento criativo. Certo. Na verdade, eu nem deveria estar escrevendo aqui. Deveria estar escrevendo pra coluna de literatura de um tal fanzine aí que fui convidada pra participar. Tenho esperança desse fanzine sair esse ano ainda. Apesar da equipe ser feita de boêmios e tudo o mais.
Essa tarde está demorando a passar também. Mas não reclamo. História Moderna à noite é de lascar. Mas nada que um café não resolva.
A essas horas ele deve estar esquentando os pés com um gatinho chamado Lio III (ou será Lion?) e bebendo café na xícara da asa quebrada. Coisa chique. Poucas pessoas tem uma xícara da asa quebrada. Eu mesma ando pensando em adquirir uma. Será que é caro?
Ah sim, momento criativo. É difícil percebê-lo de barriga vazia. De barriga cheia também. Mas dá pra sobreviver com ele tranquilamente. Sem ele é um sufoco. Mas veja bem, cá estou a escrever sem nexo algum e você está lendo, absorvendo tudo. Mas não pare, não. Termine de ler. Juro que mais coisas com nexo virão, com sexo e sem nexo também. Viu, prendi tua atenção de novo. Nem adianta esconder o riso, faz mal pra pele. Dá rugas. E te agradeço, visse? Mas já vou indo, logo o Lio III (ou será Lion?) começa a miar e nem queira contrariá-lo.

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Benditos Marmanjos

"Benditos os que não confiam a vida a ninguém."
Livro do Desassossego. Trecho 61. pag 95. Fernando Pessoa

Eu?
Bom, eu confio a tanta gente que até me perco. Caio no chão. Quebro a cara. Sujo-me de lama. Tomo banho de risos, de rio, de mar. Como algodão doce no parque, bebo cachaça na praça, jogo dados na chuva pela madrugada, caminho no bosque sem rumo, mergulho no rio sem medo, sigo a 100km/h na hora do recreio, divido o lençol da cama sem briga, mato zumbis com armadilhas, escuto samba na calçada, faço uma tatuagem por mês, divido tudo em três metades, como sanduíches sem as alfaces, faço drama, sou precoce, tome porre, me visto de homem, fumo 4 maços por dia, bebo vinagre pra emagrecer, jogo Imagem e Ação pra valer, bebo vinho vagabundo apenas pra ler, conto minhas verdades para o vento, amo quem se oferecer para eu amar, espero o tempo que for pra te amar, brigo contigo só pra importunar, ignoro-te só pra preservar, escuto teu sorriso na beira do mar, toco violão em tua devoção, tiro foto das estações, dou-te o que quiser sem cobrar nada, reconheço-te sem nem ao menos te conhecer, abraço mais seguro que o meu não há, serei-te leal até minha memória aguentar. Confio a tanta gente que varo a noite madrugada a fora, contando os sonhos que outrora mal pensava em ter, os filmes que nunca quis ver, as viagens que nunca fiz. Por vezes as idas ao bosque que jamais estive, a cama que nunca deitei, o banco da praça que nunca vi, a grama que nunca sentei. Mas eles dizem que eu estava lá. Em uma estrela, num espaço da calçada, em uma gargalhada, em uma dose de cachaça, em um general, em uma piada sem graça, em crises de risos, nos raios tenebrosos da noite, no sol escaldante do meio-dia, na cerveja das cinco da tarde, na parada de ônibus, na madrugada fria.
E eu?
Bendita sou, pois largo minha vida por aí. Bendita minha vida que anda feliz com esses marmanjos por bares, bibliotecas, cinemas, calçadas, ônibus e madrugadas. Benditos marmanjos que fui arranjar.

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Cartas e Chardonnay

Fim de tarde.
É sempre fim de tarde quando resolvo escrever. Você sabe. Eu gosto do contraste que o pôr do sol causa em tudo. E aqui, nessa casa, incrivelmente bate um silêncio danado esse horário. Talvez seja o vazio que você deixou, junto com essa pilha de cartas e as canecas sujas de café.
Amanhã vou me mudar. Não posso te dizer pra onde, isso iria dar-me esperanças de você aparecer por lá. Mesmo eu sabendo que jamais voltaríamos a estar juntos novamente.
Então, daqui alguns dias faz um ano que você foi embora.
No dia que nos encontramos, foi o dia que você foi embora. Eu percebi isso no teu olhar. Percebi tua sombra gigante de desconfiança que sempre se perguntava porque ainda continuava ali comigo. Eu ouvia tua respiração toda noite, sempre cautelosa. Eu te via a observar-me quando achava que eu estava dormindo. Te via dando a volta na chave duas vezes sempre que ia tomar banho. Te ouvia orando no banheiro para que eu fosse embora. Mas nunca me perguntei os motivos. Eu só queria tua presença, teus abraços, teu riso, tua voz. Só queria tua presença comigo, mesmo que ali fosse apenas teu corpo. Mesmo que só conseguisse tua presença depois de algumas taças de Chardonnay.
Provavelmente no fundo eu saiba todos os motivos que te levaram a ser assim a partir do momento que passamos a andar juntos. Mas eu penso sempre em tanta coisa. Poderia até culpar-me por algo que te pertence. Por isso deixo de pensar. Ponho-me a ler nossas cartas.
O que dizer delas?
Eram vivas.
O que dizer de nós?
Nunca existiu.
Hoje vejo que é tão simples ver isso. Vou lendo e rasgando. Lendo e tentando sentir o que sentia ao escrevê-las, ao lê-las. Vou pegando-as da pilha e tentando sentir a mesma emoção que senti ao pegá-las na caixa do correio, ao achá-las dentro dos meus livros, nas gavetas de meias, no lugar do jantar, dentro dos meus sapatos, entre os lençóis, no bule de café, na porta da geladeira, no porta-luvas do carro da sua mãe, na minha carteira, no meu paletó. Vou lendo e não sentindo nada. Ao menos nada que me faça te desejar o bom e o certo. Ao menos nada que não machuque ninguém. Algo que só pertence a mim mesmo.
Mas fique tranquila, permaneço no 'nada'. Ele é saudável para nós dois. 'Nada'. Esta aí uma coisa que posso dizer ser nosso. O 'nada'. Não temos 'nada'. Nunca tivemos. Desejo-te nada. Um dia, talvez eu acredite em tudo que digo nesta carta. Um dia, talvez acredite em todo esse 'nada'.
Todos os móveis já devem estar chegando ao meu novo lar. Qualquer casebre que não me lembre nada de ti. Mas vai ser impossível. Conseguimos em um ano construir uma casa juntos. Uma casa fundamentada no 'nada'. E dessa casa você não levou nada. Você apenas se foi.
Eu sei que deveria ter mandado tudo o que era teu pelo correio, mas tudo que era teu nesta casa, também me pertencia. Como eu poderia enviar-te? Se quer deixastes um bilhete com seu novo endereço. Se quer deixastes algo escrito avisando que iria embora.
Não posso dizer que tudo foi de repente. Afinal, você foi embora desde o primeiro dia. Eu podia sentir e não podia fazer nada.
Eu menti. Não rasguei tuas cartas. Só as minhas. Elas soam muito falsas perto do que sinto hoje. E de poquinho em pouquinho vou me apagando de ti, rasgando minhas cartas, deletando meus recados, apagando minhas fotos. E no fim, só sobrarão cartas, cafés e um tênis velho onde você rabiscou: "We are just wasting our time, you know".

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"Toma, pra ti"

Eu lembro quando ela disse: "Quem ganha na loteria nunca vai ter isso".
Ela se referia a amizade.
Uma coisa sem esforço algum. Não nasce com a gente, não escolhemos, não planejamos, apenas acontece. Uma coisa que vem de graça e eu dava em dobro, em triplo para receber o dobro do triplo elevado ao quadrado multiplicado por mil. Eu dava o que podia, as vezes era um googolplex de coisas, às vezes era só um café. E sempre ocorria aquela vontade boba de rir por qualquer besteira. E as lágrimas saem tão fáceis, riem junto com a gente. Por tudo, por nada. A cumplicidade, o carinho e a compreensão que podem acontecer longe ou pertinho, uma do lado da outra, na esquina, na fronteira, no pôr do sol.
Às vezes vinha o momento sério, mas é só pra organizar um pouco a bagunça que nos rodeia. Pra fincar os pés no chão, sentir a areia, a grama, o vento, o mar.
E antes, eu pensava porque fui privada por tanto tempo sem ela. Mas daí lembrei que antes, não éramos o que somos agora. Nem uma de nós duas. Eu sei que não. Ela concorda. Hoje não penso mais no porquê da demora. Apenas aproveito o agora.
As coisas chegam no tempo certo. Eu sei. Não adianta fazer promessa, jejum, sacrifícios. Se for pra acontecer, vai acontecer. Planejar pra quê? "Quem ganha na loteria nunca vai ter isso".
É verdade. Nunca mesmo.
Por isso eu venho aqui, mostro-me cheia de erros, defeitos, chatices, birras, risos, piadas, bebidas, historinhas em guardanapos, livros, filmes, cafés... Venho e te mostro como sou em todos os momentos, em todos os tempos e te digo: "Vamos que podemos".
Então tento colocar tudo dentro de uma caixinha.
E te falo: "Toma, pra ti".

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Versos para D. Quixote

Juro que tento de todos os modos encontrar defeitos em ti.

E encontro-os. Nomeio-os, ponho em ordem do mais imperdoável ao aceitável.
Teu jeito bobo, ou melhor, você é totalmente sem-jeito.

Desengonçado, atrapalhado e quase te chamo de parvo.

Mas isso não seria justo.


Fico torcendo para achar cada vez mais erros em ti, porém,

Encontro os erros que gosto,

Encontro as falhas que eu entendo e que acolho.

Procuro sempre te evitar, deixar-te de lado, fazer pouco de ti.

Mas você estupidamente vem até mim,

Com todo o teu charme sulista,

Com toda tua educação batista,

Tua humildade característica de Dom Quixote.

20 mil quilômetros não são capazes de fazer você esquecer de mim,

Pois lá está, quando eu menos espero,

Uma mensagem tua pedindo ajuda,

Uma brincadeira boba sobre o tempo,

Uma gozação com o centernada do meu time.

Quando volto pra casa,

Encontro teu abraço na esquina do bar.

Teu sorriso abobalhado e teus óculos embaçados.

Surpresa boba e boa em uma noite de chuva,

Frio na barriga em ver que seis meses nos mudaram bastante.


Quando volto pra universidade,

Encontro tua companhia no café,

Nos livros, no desespero dos calouros.

Rimos e te xingo por dentro.

Por que teimas em ser o que quero?


Então te dou as costas, trabalho nos defeitos.

Te vejo sem barba.
E tudo isso para evitar gostar de ti.

Tudo isso pra não ultrapassar a linha tênue da amizade que resolvi traçar para nós.

Que resolvi impor para nós dois.
Mas porque insisto em seguir contra o que digo? Contra o que penso?

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Pra Sentir Calor

- A gente devia levantar
- Mas tá tão bom aqui, querida.
- Eu sei, mas eu gosto de ver a chuva.
- Eu gosto de ouvir, e sentir o cheiro. Contando que você continue aqui, presa nos meus braços. Por que queres o frio?
- Pra sentir calor?


Riram.


- Você tem razão. Vamos pra varanda. Mas não desgruda.

- Não vou fugir, meu bem.

- Nunca se sabe. - Ele levantou puxando-a contra si, enrolou o edredom e fez uma espécie de cabana para protegê-los.


Os dois levantam tombando, ao risos, enrolados no cobertor e seguiram de pijamas aos tropeços até a varanda. Beijos, carinhos, risos, beliscões, reclamações e mais risos. Sentaram-se encolhidos numa velha espreguiçadeira. Ele tinha acabado de chegar. Só fazia algumas horas que estavam juntos. Podia-se contar nos dedos os minutos que estiveram separados desde que se encontraram no saguão do aeroporto.


- Eu sabia que você fazia o tipo grudento.

- Sabia? Nem sou. Ou não disfarço bem?

- De modo algum. Até me enganou. Mas tua empolgação com a viagem era maior talvez até que o mundo.

- Não sei. Uma certa garota me disse que o melhor de tudo era o “agora”. Talvez ela estivesse com a razão.

- Que garota sábia.

- Pois é, mas era só isso que ela sabia mesmo. - Ele falou distraído, tentando disfarçar o ar de riso ao ver que ela olhava para o formato que as gotas de chuva adquiriam ao cair.


Tapas, beliscões, beijos. Voltaram para a cama. Rolaram, conversaram mais um pouco. Dormiram abraçados. Ele acordou algumas horas depois, todo atencioso, respirando o cheiro dela. Tocando todo o seu corpo. Sentindo seu coração. Era de verdade. Ela estava ali. E era só aquilo que ele queria.

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Pipoca

Fiquei pensando se deveria escrever sobre ti aqui. Mas depois vi que não havia impedimento algum.

Você lembra quando nos falamos pela primeira vez? Quando aquela amiga nos apresentou. Lembra? Eu vi na cara que você era louco por ela. Mas quem não era? Você era bem estranho. Na verdade, ainda continua. E seu sorriso cafajeste. Dele nunca me esqueço. É uma das coisas que gosto em ti.

Provavelmente as conversas mais estranhas que já tive foi com você. Provavelmente você foi a pessoa que mais fez perguntas incomuns a mim. Eu sentia que tu tinhas uma sede de querer me conhecer cada vez mais. O problema era que eu nunca respondia como devia. Inventava qualquer desculpa pra não estender a conversa contigo. Mas você sempre vinha até mim. E no fundo, eu gostava disso. No fundo eu gostava de saber que tu sempre iria vir até mim com as perguntas mais absurdas do mundo.

Vendo hoje, sinto por não ter aproveitado aqueles minutos contigo. Pelas partidas de WAR adiadas. Sim, adiadas. Espero em breve poder travá-las contigo, mesmo tendo que abdicar da Europa. Mas não se esqueça que eu vou cobrar um preço muito caro por isso. Você sabe o quanto eu gosto da Europa. E de café. Como eu e você adoramos café.

Choconhaque. Lembra? Outra promessa. Vamos ver se será tão bom quanto dividir café contigo. Não sei, sinto que não vai resultar em algo correto. Mas a curiosidade nos move, não é?

Sabe quando você está voltando pra casa e para no meio do caminho? Não por não querer voltar pra casa, mas por ter que por os pensamentos em ordem. E o meio do caminho é sempre o melhor lugar. Fiz isso hoje à noite, quando voltava da universidade comendo pipoca. Sim, pipoca. Aquela que sobrou da festinha de despedida do seu chefe. Pois é, ela estava meio passada, mas a fome é o melhor tempero pra qualquer comida, concorda?

Parar no meio do caminho me fez lembrar daquilo que aconteceu com a gente naquela tarde. Foi uma tarde única, boa, gostosa, tranquila, divertida... Sinto saudades dela. Será que aquilo nos aproximou mais? Ou será que só serviu pra mostrar que tu sempre esteve ali esperando eu perceber tua presença?

Ou talvez seja como falei: “É apenas uma brincadeira”. Você sabe, eu entrei no jogo, eu dei as regras do jogo, mas tenho medo. Tenho medo de me perder. Ou pior, escrever isto é para mim um atestado de que perdi. Deixei-me levar. Será isso? Responde-me. Mas eu sei que tu não vai me responder. Eu sei que tu vai vir com outra pergunta e aí vou acabar esquecendo do assunto.

Mas eu vou provar isso algum dia. Ando a procura de provas pra isso, sabe? A primeira que achei foi que não me chateio quando me chamas de “querida”. Eu gosto. Parece combinar contigo. Mas quando qualquer outra pessoa me chama por “querida”, eu logo penso que é algo falso. Mas quando vem de ti eu sorrio. Deixo passar e peço bis.

A segunda prova, bom, eu não sei ao certo. Talvez estar falando de ti, talvez lembrar sempre de ti ao beber café, ou comer pipoca, ou ao escutar Blind Pilot. Não, depois daquele dia eu nunca mais escutei Coldplay. Talvez por querer escutar apenas contigo. Não sei. É, eu não sei, ou talvez só não queira dizer.

Eu só vou escrevendo e de teimosa, te aviso logo: Isso não é uma carta de amor.

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Oviedo

(dica: leia este post escutando Oviedo do Blind Pilot. Adoro essa música.)

Uma janela com vista para uma rua de paralelepípedos, com lojinhas no térreo e apartamentos nos outros andares. Poucas pessoas na rua e um pôr-do-sol no fim da rua. Há tanta coisa pra fazer, pra pensar. Mas estar naquela janela apenas observando era algo que você gostava de fazer. Sempre que eu acordava você estava sentada na janela fumando seu cigarro e olhando para a rua como se nem estivesse ali.
Nunca me preocupei em saber o que você pensava durante aqueles minutos. Nunca pensei em te atrapalhar. Você era bela até mesmo com a maquiagem do dia anterior toda borrada pelo rosto e aquelas camisas velhas de times de futebol que nem ao menos nós conhecíamos.
Seu apartamento tinha poucos móveis. Uma cama, uma mesa e duas cadeiras, um sofá de três lugares, uma geladeira e um microondas. Você nunca desfazia as malas e quando eu menos esperava, você já tinha viajado para outra cidade.
Partia sem deixar nenhuma pista pra onde tinha ido. E quando sentia minha falta, bastava uma ligação sua e eu já fazia o impossível para não te deixar esperando. Com o tempo, aprendi a ver os sinais que você deixava para eu perceber que já se aproximava o dia em que partirias para teu próximo destino. Mas durante todos esses anos, nunca consegui te surpreender mostrando que sabia aonde seria sua próxima cidade. E durante todos esses anos, nunca me senti abandonado ou usado por ti. Pois tu me ligavas em todos os momentos, compartilhando tudo comigo.
Antes de te conhecer, o tempo era meu pior inimigo. Cobranças, trabalho, aprendizado. Tudo isso e muito mais era uma corda em meu pescoço que me arrastava de um lado para o outro.
Em nossos primeiros meses juntos, achava que você era o exemplo de como deveríamos ser. Mas depois vi que não, você era apenas mais um ser humano nessa terra. Dotada de todos os sentimentos possíveis, expressando-os ao seu modo. Não seria justo te colocar em um pilar e te idolatrar. Você me fez ver isso. E de modo silencioso e sem intenção alguma, passou a ensinar-me a ser cada vez mais eu.

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Casa Viva

Eu não sei viver sozinha. Há momentos em que preciso ficar sozinha, porém, tendo a certeza de que não estou só. Entende?
Agora você dorme ao meu lado sem se preocupar com a chuva que cai lá fora. "É domingo. Podemos passar o dia na cama fazendo amor." Você disse isso ontem à noite quando chegou. Mas agora você dorme, sem se preocupar se terá roupas limpas para trabalhar durante a semana.
Deslizo meus dedos bem de leve por tuas costas, escrevo meu nome nela e sinto que és meu desse jeito. Observo tuas costas subindo e descendo conforme tua respiração. Tento lembrar do dia em que nos conhecemos. Você usava camisa vermelha com uma estampa qualquer, jeans e coturnos. Cabelos negros, olhos negros e uma barba por fazer. Não lembro que roupa eu usava nesse dia, mas lembro até que você ouvia uma música do The Doors. Esperamos o ônibus juntos. Ninguém falou nada. Eu não conseguia tirar os olhos de você sem nem ao menos olhar. Consegue imaginar?
Não. Esse foi o dia em que eu te conheci. Só nos conhecemos quatro anos depois desse encontro em que acompanhei tua presença até o ônibus virar a esquina. Eu nunca me preocupei em dizer-te que já o conhecia quando nossos amigos nos apresentaram. Por alguns momentos, em nossos primeiros momentos juntos, cheguei a ver nos teus olhos que você se lembrava de nosso primeiro encontro. Mas depois sumiu dos seus olhos e esse passou a ser um momento só meu. Assim como sumiu dos teus olhos aquela veneração que eu sentia que tu tinhas por mim. Hoje só sobraram os desejos e a acomodação. Eles sempre ficam entre nós.
Brinco com teus cabelos, você detesta quando faço isso. Vira para o outro lado. Bem longe de mim. Há quase dez anos você desistiu de escrever. Adorava fazer críticas sobre os últimos filmes lançados. Eu era sua única leitora. "Ninguém lê o que escrevo, para quê escrever então?", você disse isso enquanto eu comentava sua crítica sobre algum filme de guerra que não lembro mais o nome. Eu era o seu Ninguém. Aproximo-me de ti, teu braço envolve minha cintura, te aconchego entre meus seios, você os beija e me chama de "amor". Era a única hora do dia em que você não me chamava pelo nome.
Começo a cantarolar baixinho: "I can give it up, for someone else's touch, because I care so much" e lembro uma vez, quando estava na rua de nosso apartamento te vi fumando um dos meus cigarros na pequena varandinha escondido atrás de alguns pensamentos. Você não suportava que eu fumasse. Então, ao entrar em casa, você vem até mim e me abraça, sem lágrima alguma, com cheiro de cigarro, sem falar nada. Sua barba arranha meu rosto e você não me deixa olhar em teus olhos. Dias depois descubro que seus pais morreram em um acidente, em um acidente em que você estava envolvido.
Olho para as paredes de nosso quarto. Riscadas com números, declarações de amor, declarações de raiva, desenhos dos filhos de nossos amigos ou dos próprios amigos. Tínhamos uma casa viva.
- Você está pensando alto de novo, amor. - Você fala e sinto seu hálito quente no meu pescoço. Tento disfarçar o susto de mais uma vez você ter escutado meus pensamentos.
- Desculpe, volte a dormir. Está cedo e chovendo.
- Nós temos uma casa viva.
- O que disse?
- Você disse que tínhamos uma casa viva. Eu te digo que temos.
Você voltou a dormir, eu voltei a desenhar nas suas costas. "Nós temos uma casa viva."

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Complexo


- oi
- oi
- Há muito tempo aqui?
- Um pouco.
- Esperando alguém?
- Talvez. E você?
- Só estava andando.
- Sem rumo?
- É, sem rumo.
- Acho que ainda tem cerveja nessa caixinha. Pode se servir se quiser.
- Eu não bebo, obrigado.
- Que bom, sobra mais pra mim.
- Faz tempo que não te vejo pela universidade. O que tem feito?
- Indo a universidade.
- Usando roupas de camuflagem?
- Mais ou menos isso.
- Tá tudo bem?
- Essa é uma pergunta que não posso te responder. Ia estender esse diálogo muito mais do que ele merece pra existir.
- Tudo bem, não vou insistir.
- Eu sabia que você viria até aqui. Só fiquei em dúvida se você iria sentar e conversar. Você nunca senta pra conversar.
- Não compreendo você. Uma hora se aproxima e depois me trata como um conhecido qualquer. Como vou saber o que você quer?
- Você nunca vai saber, Jota. E olha que engraçado. Eu já tive essa conversa antes. Aposto como daqui a pouco você vai dizer que tentou ficar comigo, que tentou se aproximar de mim.
- Na verdade, eu não tentei. Você sumiu.
- Não sumi. E aliás, onde estão seus óculos?
- Estou usando lentes.
- Prefiro você de óculos.
- Porque parou de freqüentar o bar?
- Uma hora a gente enjoa de la, e a cerveja ficou cara.
- A ficha da sinuca também.
- Que pena, a única coisa em que você se divertia.
- Por que está brava comigo?
- Não estou brava com você. Estou brava comigo.
- Complexo.
- Eu sei.
- Vai chover.
- Eu sei.
- Melhor eu ir indo.
- Concordo.
- Eu te amo.
- Complexo.
- Eu sei.

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Abajur

Cheguei na hora marcada.
Na verdade, cheguei algumas horas antes. Estava nervosa. Eu sabia o que queria, mas estava nervosa. Na verdade, eu não sabia porque estava ali, não sabia porque tinha ligado pra ela e nem marcado aquele jantar. Só sabia que queria estar ali.
Subi até o apartamento na hora marcada. O peso das sacolas mantinha-me firme, sem ficar pensando se deveria continuar ou não. Do corredor eu escutava aviões cumprindo suas manobras diárias lá fora. Estava frio ali. Desejei que ela tivesse um aquecedor no apartamento. Desejei que ela não estranhasse todo o meu empenho em estar com ela. Bati três vezes na porta, verifiquei as sacolas: vinho, macarrão, molho de tomate, queijo, bacon e chocolates. Sempre achei que vinho, macarrão e chocolates eram um bom jeito de se firmar uma amizade.
Ela abriu a porta. Usava jeans, uma camiseta em listras horizontais em preto e branco e sapatilhas. Seus cabelos estavam curtos como na última foto que me mostrara. Ela estava linda. Ficamos um tempo paradas, sem desviar o olhar. Até que o peso das sacolas me trouxe de volta. Entrei no pequeno apartamento abarrotado de livros e quadros por todos os lados. Eu só tinha estado uma vez ali e adorava o lugar.
Fomos pra cozinha conversando sobre meu trajeto até chegar ali, sobre o clima, sobre a faculdade. Éramos assim: um assunto puxava o outro. Anna era assim. Pelo menos quando estava com vontade de conversar, pois se não estivesse, estaríamos as duas jogadas no sofá lendo algum livro. E eu não iria me importar nem um pouco. Porque até o silêncio com ela era algo bom de se compartilhar.
Ela fez o macarrão delicioso. Depois fomos para o sofá com o vinho. Ela queria mostrar-me os últimos textos que havia escrito. Eu simplesmente adorava o que Anna escrevia e ela nunca acreditava quando eu dizia isso. Era engraçado. Pela primeira vez eu gostava de algo que algum amigo escrevia, eu falava que gostava e ela achava que eu estava apenas sendo educada.
Chegamos na metade da garrafa. Os textos já tinham acabado, só tínhamos a luz do abajur iluminando a sala. Estava um clima bom. Encostei minha cabeça eu seu ombro tentando escolher algumas palavras. Como dizer? O que dizer? E afinal, era necessário dizer? Então ela segurou minha mão, começou a fazer carinho. Eu correspondia. Eu sabia o que estava fazendo. Sabia o que queria.
- Por que você está aqui, Samy? - Ela perguntou virando seu rosto pra mim. Nossos narizes roçaram um no outro.
- Por você.
Respondi acariciando seus lábios. Sem hesitar em nenhum momento. Ela continuava me olhando e eu olhava apenas para sua boca.
Meu medo. Meu medo sempre foi correr atrás do que eu queria e ao estar tão perto, ela fugir. E ali ficamos, sob a luz do abajur.

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Adelaide

Fim do expediente.
Adelaide organiza suas coisas escutando os colegas de trabalho comentarem sobre as festas que ocorrerão no fim de semana. Sai do trabalho direto para o mercado mais próximo. Compra duas garrafas de vinho e três pizzas congeladas. Comenta com o caixa que vai receber os amigos em casa.
Pega o ônibus, um operário aperta sua bunda, segue seu caminho. Chega em casa, coloca uma pizza pra esquentar, liga o computador e abre uma garrafa de vinho.
- Que comece a festa!
Ela diz baixando mais um podcast.

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Cotidiano

Acordo. Levanto da cama, piso no chão gelado com os pés descalços e sinto calafrios pela nuca. Caminho até a janela, abro um pouco a cortina, ainda está escuro lá fora. Novamente acordei antes do alarme soar. Desativei-o antes que fizesse qualquer barulho. Não fazia sentido algum escutar o despertador acordar minhas paredes.
Fui até a cozinha, duas garrafas de vinho vazias sobre a mesa junto com livros da universidade e um cinzeiro que precisava ser limpo. Resquícios do fim de semana. Deixaria a limpeza para depois. Ver uma casa arrumada pra mim significava que não morava ninguém ali.
Preparei um pouco de café e fui me distrair com um pouco de palavra cruzada. Talvez este seja o único hábito que herdei de minha mãe. Liguei o rádio, barulhos ritmados dispostos até a acordar a alma de Tolstoi soaram estridentemente. Desliguei o rádio em um susto. Meus ouvidos não precisavam daquilo àquela hora da manhã.
Findado o café, era hora de ver o que tinha pra colocar na mochila, ver se o celular estava carregado, se tinha moedas suficientes para a máquina de café, se ainda havia cigarros suficientes para a fuga de alguma conversa chata. Itens necessários para se sobreviver fora de casa por um dia.
Escolho um jeans, duas camisetas (uma eu uso, a outra fica na mochila), fico em duvida entre meias brancas ou pretas, no fim, escolho as pretas e por ultimo o allstar, único tipo de tênis que gosto de usar. Tomo banho, lavo e penteio o cabelo. Depois bagunço eles de novo. Nada de maquiagem. Estou pronta.
Coloco a mochila nas costas e mais um pouco de café na caneca térmica. Olho ao redor, faço uma nota mental para comprar algo para comer e beber, então lembro que é fim do mês. Sem salário, só trocados para o café e cigarros.
Aquelas eram as ultimas garrafas de vinho, bate o arrependimento de ter dividido elas com alguns amigos jornalistas. Vou pra rua. Meu trabalho fica a algumas quadras dali.
Cumprimento o porteiro e caminho até a sala de arquivos, a minha sala. Passo o dia lá, velando artigos antigos, respirando poeira e bebendo café. Cinco dias por semana, oito horas por dia, sem pausa para o almoço. Mas isso porque não faço questão de almoçar e também porque não tenho dinheiro. Sempre é isso. Nunca tenho dinheiro. Não sei o que faço dele além de sempre ter trocados para cigarros e café.
Três da tarde. Fim do expediente. Hora de ir pra universidade. Acendi um cigarro no caminho, ia escutando qualquer solo de violoncelo traindo minha paixão por violinos.
Caminhava sem prestar atenção em nada e ninguém. Meus amigos só iriam chegar quando a aula já tivesse começado. Acendi outro cigarro. Não estava com vontade de conversar com os amigos jornalistas, a lembrança das garrafas de vinho vazias sobre a mesa ainda perambulavam na minha cabeça. Acenei a eles e rumei a biblioteca. Se continuasse assim, em poucos dias eu seria uma traça fumante que adorava Bach e Fernando Pessoa.
Algumas horas e cigarros depois fico sabendo que não haverá aula. Universidade Federal é assim mesmo. Caminhei para o bloco dos jornalistas, eles iam ter aula. Convidaram-me a ir junto, aceitei. Não prestei atenção na aula. Fiquei esboçando o rosto do professor no caderno. Mas não por ele ser bonito ou feio. Tinha algo nele que conseguia prender minha atenção. Era assim que funcionava comigo, meus sentidos nunca trabalhavam juntos. E naquele momento, a audição tirara férias.
Oito da noite. Fim da aula. Os amigos jornalistas chamam pra beber uma cerveja e comer algum tira-gosto que por certo nos dará azia. Falei que era fim de mês, não dava pra mim. Eles insistiram, eu pagaria depois. Mas eu nunca pagava. Talvez devesse parar de fumar e jogar na lotérica.
Procuramos algum boteco qualquer, juntamos as mesas, tocava qualquer samba ao fundo e a conversa fluía desde Collor ao ultimo lançamento de esmalte que meus caros amigos usavam pra esconder a ferrugem do velho carango. O boteco começou a encher de operários, ao que parece, um deles havia ganho no Jogo do Bicho. Ganhamos duas rodadas na conta deles. Já não se podia conversar com a algazarra que se instalara ali. Hora de catar as moedas e ir pra casa.
Ganho carona, lucro de uma passagem de ônibus. Chego em casa, jogo tudo que estou carregando na mesa, tomo um banho gelado e me jogo na cama aproveitando o pouco de ebriedade da cerveja. Sei que daqui a algumas horas vou acordar antes do despertador mesmo.

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Duas Almas Velhas

Na ultima terça-feira, resolvi de ultima hora ir a um clube do livro lá para as bandas do São Francisco. Pela primeira vez fui sem saber qual era o livro que estava sendo discutido. Era apenas o desejo de estar entre desconhecidos que tinham uma paixão em comum.

Acabei tendo a surpresa de encontrar uma amiga relapsa perdida por lá. Findado os comentários do livro – cuja autoria é de André Vianco e é somente isso que lembro -, esta amiga convidou-me para tomar um café e de pronto aceitei.

Eu e ela. Duas almas velhas. Era assim que gostávamos de nos rotular.

Desfrutamos nosso café amargo. Nos atualizamos sobre os últimos acontecimentos perante a ausência uma da outra. Sua sinceridade rasgada no peito, sem nunca motivar ou criticar algo de minha vida. E sempre perguntando porque não havia feito pior. Isso me agradava nela e me alegrava saber que ainda continuava assim.

Fui fraca, minutos depois joguei a bandeira do sentimentalismo dizendo que sentia sua falta. Ela riu de mim. Disse que eu não aparentava sentir sua falta, pois nunca ia visitá-la.

Fiquei em silêncio. Ela tinha razão. E para não brigar, eu ficava sempre em silêncio.

Ela deu um tapinha em minha mão e perguntou porque parei de atualizar o blog com contos e crônicas. Falei-lhe que estava em crise de criatividade. Ela riu novamente. E então fui franca: Eu estava evitando escrever porque havia um texto que eu não queria passar para o papel. Pois em minha cabeça, se escrevo o que penso, torno mais real ainda aquele pensamento.

Enquanto falava, ela ia abrindo folhas de guardanapo sobre a mesa e quando terminei ela ordenou:

Escreva o que está martelando sua cabeça. Isso não te permite escrever novos contos e muito menos ter uma conversa sensata contigo. Consigo sentir tua aflição gritando a dez metros daqui. E se queres ouvir de um modo mais romântico, teus olhos são para mim um poço de tristeza e teu sorriso soa mais verdadeiro quando estais ébria. Porque bem sabes que quando ébrias, temos a sorte de não lembrar de nada. Agora pois escreve esse maldito texto que te trava a cabeça e a língua! Eras-te!

Obedientemente escrevi o texto, sentindo a alma pesar a cada linha escrita, os olhos marejados, a boca apertada. Todos os sentidos lutando para manter o texto a salvo dentro de mim. Mas já não era possível. Lá estava ele diante de mim, mostrando-me com altivez que existia por vontade própria e que era uma verdade que eu não mais podia esconder.

Chorei em silêncio como da vez em que atravessava a imperceptível ponte do Córrego dos Corvos. Fora ali que o pensamento tomara forma e lá estava eu novamente em Mogi das Cruzes chorando, vendo as águas correrem despreocupadamente carregando restos de lixo aqui e ali.

Saí do barzinho, ter escrito o pensamento não tinha feito nenhum bem até o momento. Mas talvez eu estivesse apenas procurando um motivo para poder chorar por ele.

E da mesa do bar eu escutava o papel a falar: “Ignorada por quem julgavas ser a melhor amiga e ainda assim não se esforçou o bastante para saber os motivos.”

E a frase se repetia, se repetia, se repetia, se repetia...

Dessa vez não houve comentários por não ter feito pior. Ela me deu um abraço e uma garrafa de vinho vagabundo que comprara no barzinho. Nem fiz questão de perguntar o que ela fizera com os papéis rabiscados. Abrimos o vinho, ela chamou-me de estúpida chorona e fomos andando a procura de um ponto de ônibus mais próximo.




Dedico esse texto a(o) leitor(a) anônimo(a) do facebook mobile, a(o) leitor(a) do twitter mobile e a minha stalker. Há duas semanas que vocês alegram minha vida visitando meu blog todos os dias!


E agradeço imensamente pelo vinho, Penélope.

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Tropeço de Poema


Agora está mais claro que nunca
Que ser direta é ser torta.
E ser torta é ser normal.

Não adianta facilitar com as palavras
Elas nunca falarão a eles o que quero.
Mas como meninas teimosas
Vão contar do avesso,
A torto e a direito,
Tudo na base do exagero.

É assim. É assim.
Brincar com elas é um perigo.
Mas pior mesmo é o silêncio,
menino danado, faz mimíca
Deixa todo mundo curioso
Pensando besteiras feito bobos.

E me ferrando ou não
Com suas piores travessuras,
Elas, palavras amigas...
Meninas danadas,
Alimentam-me a alma.
Fazem-me feliz.
Elas fazem-me feliz.

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Basic Space


"I'm setting us in stone
Piece by piece before I'm alone
Airtight before we break
Keep it in
Keep us safe"


Consegui a proeza de me perder dentro de mim. Num corredor com janelas quebradas, vultos que olhavam-me através das fechaduras de portas desgastadas.
Mas isso por que eu estava correndo. Com medo daquele lugar que eu jurava não me pertencer.
Então, cansada, encostei-me a uma parede com vários bonequinhos desenhados. Eu os conhecia. Eu os tinha desenhado. Meus velhos amigos.
E pouco a pouco fui me reconhecendo ali. Entre rabiscos, amigos imaginários nunca imaginados, livros, cadernos rasgados, bonecas enforcadas...
Por muito tempo deixei minha voz calada. Tive medo de que todos soubessem o que eu pensava sobre o mundo. Mas então ela me disse que nada diria a ninguem e que o melhor para nós sempre era o diálogo, ou seria monólogo?
Percebi que não estava mais escuro, pois até mesmo a escuridão fazia parte de mim.
Jamais pensei que problemas surgissem de soluções. O mundo prático me ensinara isso.
Conheço tudo ali. Mesmo sendo tudo desgastado, rabiscado, rasgado... Ali me sinto segura. Meu espaço básico. Não uma fortaleza. Apenas um espaço básico.
Via ali rastro de outras pessoas também. Amigos, amores, rabiscos de antigas dores. As frases que eu evitava falar durante os dias estavam todas ali. Tais frases lembrando-me de quantas pessoas deixaram uma marca em mim, uma marca naquelas paredes. E que elas não se importaram nem um pouco pelo tempo que gastaram ali.
Fico triste ao perceber tão tarde o quão tolas minhas decisões foram durante os ultimos 20 anos, todas elas marcadas ali, tão nítidas pra quem quisesse ver.
E eu achando que conseguia ser um livro fechado, um poço de mistérios. Quando na verdade estava com os olhos vendados e um holofote sorbe mim.
Andei mais devagar, limpei algumas janelas, vi um céu nublado lá fora. Era o meu favorito.
Agora estava tudo bem.

Perdi me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
[...]
E sinto que minha morte -
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.

Dispersão - Mário de Sá Carneiro

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Nós

Estava sentada no banco do parquinho quando a vi passar chorando. Não vi seu rosto, mas ouvi seu choro. Parecia ser desconsolável, mas eu sabia que com o tempo ele iria diminuir a um simples suspiro aqui e ali. O sol demorava a sair naquele dia. Parecia saber que seus raios não seriam capazes de aquecer o coração daquela menina.
Dei-lhe tempo para chorar o quanto quisesse. Sabia que em alguns minutos ela iria se comprometer em nunca mais chorar, pois aquilo lhe tornava uma fraca. E ser fraca era algo que ela não queria ser.
Mas eu sabia que essa promessa iria ser quebrada várias e várias vezes. Porque definitivamente não conheço ninguem que consiga cumprir uma promessa dessas.
Dei-lhe um pouco mais de tempo. Dei tempo a mim também. Nós duas tinhamos tantas questões que precisávamos responder sozinhas. Assim sendo, continuei olhando o sol aparecer timidamente, respeitando o luto da garotinha.
Eu ainda podia ouvir seus soluços descompassados. Logo mais era minha hora de agir.
Dei mais uma espiadela no sol. Ela já ia bem alto, seus raios me motivanto a prosseguir. Com poucos passos acabei com a distancia que havia entre nós. Ela já havia parado de chorar, mas seus olhos e narizes estavam vermelhos. Sentei ao seu lado e arranquei um pouquinho de grama para distrair minhas mãos enquanto pensava no que falar a ela.
Quando percebi que tinha todas as frases corretas para fazê-la levantar dali e voltar pra casa, vi que ela me imitava. Estavamos as duas com um punhado de grama nas mãos balançando para lá e pára cá. Então vi que nada do que dissesse seria util.
Continuamos brincando com a grama até que decidi falar:

- Você deveria voltar pra casa. Sua família deve estar preocupada.

Ela brincou mais um pouco com a grama, depois limpou as mãos no vestido amarelo sem importar-se com a sujeira que estava fazendo e respondeu-me:

- Devem estar preocupados sim, mas logo se ocupam com outra coisa. No final das contas, eles sabem que eu volto. Eu sempre volto.

Respirei fundo. Ela tinha razão. A vida naquela família era um corre-corre. Sobreviver naquele meio era algo que se aprendia cedo e sozinho.

- Não seja tão dura com você, está bem? A maioria dos problemas não ocorre por culpa sua.

- Mas a maioria das vezes eles acabam caindo nas suas mãos. - Ela me interrompeu continuando a frase que eu começara. - Você sempre fala a mesma coisa antes de ir embora.

Eu levantei, peguei sua pequenina mão esquerda e pus sobre a minha mão esquerda. No dedo indicador nós tinhamos o mesmo sinal. Uma pintinha pequena em forma de um coração de cabeça pra baixo.

- Pequenina, eu sempre falo a mesma coisa porque são os mesmos problemas. Um dia, você vai entender porque temos a mesma pintinha. Uma dia, você vai entender porque só me encontra aqui ao nascer do sol.

- Um dia, um dia, um dia!

Ela gritou e soltou minha mão.
Nós nunca gostamos de frases ao ar. Nunca gostamos de amendoim. Nunca gostamos de vestidos na cor amarelo. Nunca gostamos de tantos enfeites e nossas letras sempre vão ser horrorosas.
E nós nos prometemos nunca chorar, mas sempre falhamos nessa promessa.

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Teimosia

"Nós nunca nos realizamos"
Livro do Desassossego - Bernado Soares
(Fernando Pessoa)

Gosto dessa frase. De algum modo, ela mexe comigo. Várias vezes tentei dar um significado positivo a ela, pois é isso que a mim parece. Mas nenhum dos meus ouvintes quis aceitar. Talvez eu tenha formulado mal minha justificativa. Ou talvez eu ainda não tenha aceito que ela não tem um lado positivo.
Mas se fosse isso, o que diria de mim Bernado Soares?

Dizem que ela é depressiva. É unânime.
Dizem que sou depressiva. É unânime.

Eu digo que sou depressiva as vezes.
Mas ainda assim continuo gostando da frase.
Sou teimosa.
Mas talvez essa não seja a palavra.

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