Archive for maio 2012

O café acabou...

E meu gato não quer meu colo. Pensei que não devia ter pedido a você para escolher o nome dele. Mas eu queria mais uma parte tua perto de mim. Alguma que não fosse apenas teus versos, teus contos, tuas crônicas. O Louie lembra você.
Eu estava muito cansada da viagem. A cabeça cheia de problemas, as malas cheias de papéis. O metrô lotado, eu ao teu lado. Não lembro bem qual lado. Mas lembro que pedi licença e deitei no teu ombro. E às vezes tenho a impressão que nunca saí de lá.


Gosto da desordem dos nossos dias.

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Dia Cinza*


Eu lembro, bem vagamente de umas conversas nossas. Aquelas pela varanda da tua casa, outras na volta do cinema, os telefonemas. Elas se misturam, perco a ordem e penso que essa demora em voltar a ver-te é que atrapalha. Os cafés já não são mais os mesmos e meu sorriso deve ter ficado junto ao teu. Ao meu favorito. O mais interessante é chegar em casa, o dia ainda estar cinza e a luz da secretária eletrônica a piscar. Fazia tanto tempo que ninguém deixava mensagem ali. Foi uma surpresa boa ouvir tua voz outra vez:

- E por falar em saudade, onde anda você? Onde andam seus olhos que a gente não vê?

Ouvi várias vezes. Tirei os sapatos, o casaco, fiz um café e a tua voz ecoava pelo apartamento antes sem vida. Eu já não sabia mais da tua rotina, e a vontade de ouvir mais da tua voz me impulsionava a ligar. Ainda resisti até a primeira caneca de café, enchi outra e liguei. Você parecia estar grudado ao telefone, tocou apenas uma vez. Era assim antigamente. E sendo como antigamente, não havia cumprimentos bobos, eu tagarelava até perder o ar e imaginava se você estaria rindo do outro lado do telefone:

- Eis que tu me surges saudosista. Assim me conquistas. E nem precisa me prometer ametistas ou ser um presidente golpista. Basta falar mais dos meus olhos, que jamais abandonaram os teus em busca do Acarinhador que se perdeu.

- Sou apenas o Acarinhador a vagar. Agora já não mais a procura de quem me dê o que tanto ofereço, mas apenas procurando sorrisos e companhia para, “quem sabe?”, um café. Ou até mesmo um passeio no parque. Ou, quem sabe, uma tentativa de escrever poesia, embora hoje eu creia que a poesia deva ser sentida e gravada na memória, não tanto no papel.

- Candidato-me a essa vaga que solicitas para um café, mas peço-te para que nunca termine, não enquanto houver pôr-do-sol pra banhar teu sorriso de canto que tanto me encanta.

- Fiquei sem resposta.

- Ah, meu caro. Se ficares sem resposta a prosa acaba.

- Farei uma prece pra que a prosa regresse e assim eu possa encontrar as respostas pra te trazer de volta. Que é pra acabar com esse negócio de viver longe de mim.

- Te sugiro imaginar um mundo, onde todas as preces mais puras são ouvidas e realizadas. Seria a tua uma delas? E por algum acaso, meu nome se encontraria no meio?

- Vou imaginar o mundo da Bossa Nova, afinal, ela é a maior prova de que o mundo ainda pode ser melhor e o samba é o som que nos guiará a esse lugar. Talvez eu seja ouvido. E se assim for, seu nome estará nela. E o seu sorriso virá em seguida.

- Meu sorriso anda perdido, ou contigo. Faz logo essa prece, ou esse samba. Que a vida há muito me esquece e cá estou na corda bamba.


*Uma prosa com meu amigo barbudo Marco, do blog TantoClaroTantoGris

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Liberté, Egalité et Fraternité

Liberté

É de certo modo contraditório como aprendi o sentido de liberdade. Antes algo utópico pra mim. Antes algo inalcançável. Mas perto de você muitas coisas mudam ou adquirem mais de um sentido, ou perdem o que tinham. Perto de você um homem vira um pássaro e uma flor brilha no escuro.
O sentido de liberdade consiste na criação de laços e não no oposto. E tão distante estamos, mas acaba que você é quem tenho por mais tempo no meu dia e que até presta atenção se coloco uma vírgula ou não. E quem mais me daria a liberdade de falar sobre tudo e sobre nada e sobre o que há no meio dessas estradas esburacadas?
Liberdade é criar e manter bem seguros esses laços. É um gato na estante, é um livro sobre uma menina invisível, é uma carta escrita  no escuro, é o chá depois da calmaria, é a tua risada estridente sobrepondo a minha, é a luz da vela em forma de meia-lua.
Liberdade é sentir tua presença mesmo com esse Brasil no meio. 

Egalité

Uma balança. É o que me vem à mente. Mas não que esses sejam os princípios básicos de uma amizade. Não é esse o propósito. Não sei bem o sentido, ou motivos de tais frases. Foi só uma brecha da minha caixa de Pandora que foi aberta e escapuliu essas palavras, meio tortas e atrofiadas. Porém, verdadeiras aves aladas. E não corvos, ou corujas. Alguma bela ave. Alguma de canto suave.
Igualdade é para mim um longo aprendizado. Onde preciso correr atrás de você para tal ato. Claro que sem abranger toda uma vida. Pois igualdade demais provavelmente me deixaria perdida. E por hora, preciso aprender a ouvir. Esse provavelmente é um ótimo passo. E é contigo que devo, quero e tenho aprendido.

et Fraternité

Podes até ter o abraço desajeitado, podemos até não ter por ora a facilidade de um diálogo sem uma tela branca à frente, posso até enrolar com presentes, podemos até ter um continente no meio, podes até ficar brava comigo por coisas mínimas e máximas, podemos opinar por coisas diferentes, posso até tentar brincar com posso, podemos e podes... Mas ainda assim tu me lerás com carinho e atenção velada. Com a mente ligando cada frase dita a cada momento nosso, com um sorriso no canto da boca, ou aquele soltado pelo nariz, com o Draco a sapatear no colo pedindo atenção, com mil pessoas falando contigo e eu do lado com um tom de desolação que logo você tira dando-me um leve empurrão.
Que mais posso dizer, em meios quase rimados em prol do teu bem querer?

És tu a minha revolução, Francesca.

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Aprendizagem*


Tive de aprender a lidar com teus medos sem cometer a heresia de julgá-los menores que os meus. Cada um sabe de seus incômodos, não há imparcialidade nos seres dotados de amor próprio quando o julgamento nos envolve. Mas eu, quase um Dom Quixote a lutar contra moinhos de vento, assumi e enfrentei os teus medos e os teus modos, os meus medos e as minhas buscas, a minha plenitude e a tua satisfação. E ali vivíamos, eu por ti e tu por qualquer um que te admirasse por mais de dez minutos, cercado dos olhos holofotes de amigos rasos. Rasos que eram, quando a sombra do passado te rodeava e eu era o único que pacientemente estava por ti, amansando teus medos com complacência e toda a lucidez que te faltava. Tantas vezes preteri meu ego para cuidar dos seus medos infantis, desproporcionais aos que pesavam nas minhas costas e endureciam meu semblante. Por tantas noites velei o teu sono e somente encontrei alívio ao imaginar uma pessoa quase completamente diferente de ti ou pelo menos alguém que erguia o rosto e mergulhasse nos meus olhos sem medo do que poderia encontrar. Tive tanta fé na tua rendição e na tua cura que esqueci de me querer bem, esqueci de me lembrar que rugosidades assim são prenúncios de mal maior. Desculpa os maus costumes que te plantei, desculpa os mimos, eu errei. Renuncio ao cativo.


*Eis o primeiro conto (a meu ver uma crônica) feito em parceria com meu estimado amigo Darlan, que escreve no blog Palavras Oblíquas

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