Archive for 2014

sobre a idade


Olhar para dentro de mim é muito difícil. Talvez por isso tenho evitado beber.
Quando bebo, olhar para o abismo parece mais fácil. Parece dar outra perspectiva. Parece ser a vida de outra pessoa.

Um caos que não é meu. O caos alheio sempre parece mais fácil de lidar. No fim tudo vira um amontoado de coisas sobre coisas. Bem encaixado que é pra não dar prego na vida.

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Protesto Diário: Rouco de tão louco


Pedem-me xerox e mais xerox.
Mas motivação pra ler é quase nada.
Da bolsa que ganho
Mal dá pro de cumê.
Verba pra apresentar trabalho
em congresso? Vistes isso Maria?

Mas calma lá.
Trabalho pra apresentar não há.
Pois não há verba.
Não há quem possa nos orientar.
Não há espaço pra estudar.
Não há.

A grade de nosso curso
é mais bagunçada que a divisão de salas do bloco.
Enfiam-me teorias pelo rabo
sem nem uma introdução com manteiguinha.
E ai de mim se for chorar
Por este azar.

Ai de mim se for intervir
Se for reclamar dessas proibições ridículas
Onde meus amigos não podem cantar.
Se for reclamar por não podermos ficar
nessas salas tão modernas e climatizadas.
Afinal aluno é malandro e marginal.

Vem da periferia pra uma Instituição Federal
Pra saber que quem decide é
A elite branca: que manda e anula o indivíduo.
Que diz que cultura é só uma
E o aluno marginal só sabe quebrar,
Roubar, mentir e fumar maconha.

Vamos caladinhos de cabeça baixa,
fugindo do sol e dos banhos de lama
para uma biblioteca
que não tem espaço, nem mesa,
nem tomada e nem os livros que
nossos amados mestres recomendam.

E aí pedem-me xerox e mais xerox!
Mas não há verba!
Por favor, alguém diz para eles
que não há verba...
Pois aluno não tem vez e nem voz pra gritar
nessa universidade pública que quer ser particular.


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Flores


Adoro todos os teus ângulos
E entendo todos os teus anseios.
Mergulho nos teus seios
E sinto toda tua essência.
Doce e amarga.

E lembrar daquele domingo
onde nos encontramos sem rumo.
Hoje já digo
que não foi numa hora errada.

Fizestes de meu Agosto
uma primavera só nossa.
Tuas flores estão por toda parte
e já não quero que partas.

Te mordo, te arranho
Que é pra deixar marcas.
Que é pra ver se tu fica
e se a gente se finca
Em algum lugar.

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Mi Gabo


Lembro-me de uma tarde intensa que passei com Gabriel, o Gabo. Nem lembro como estava o clima naquele dia ou quantas xícaras de café nós bebemos. O conheci por sua solidão. Tão pesada e exata. Ele mesmo dizia ter 100 anos.
Foi bem assim, um amigo em comum chegou e nos apresentou: “esse é o Gabriel, tão chato quanto tu. Será se vão se dar bem?”. E nossa indiferença deu um tempo para a curiosidade trabalhar. Nós dois gostávamos de ouvir, mas naquele momento nossa conversa fluía.
Gabriel falava de sua solidão, do peso das palavras e das várias mulheres que amou. Ele ao ver que não julgava por haver várias, seguia contando um pouco de cada. Dos detalhes do corpo, da voz, do que elas gostavam e de como gostavam de transar. Gabriel humildemente atendia cada uma. Cantava pra muitas Let’s Fall In Love, do jeitinho que Ella Fitzgerald costumava cantar. Dizia dançar com o rosto colado e uma concentração dos infernos para não ficar excitado.
Quando não era Ella Fitzgerald, dizia apelar para algum tango argentino que sempre caia melhor que um blues. E apesar das várias histórias, Gabriel parecia tão só quanto eu. 

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Meio seio


Hoje ao ler O Seio, do Roth, acabei por lembrar de outro seio, do Rubem Fonseca. Aos poucos aquele encontro inesperado que tivemos foi se construindo em minha memória. Visitar sua cidade, naqueles primeiros anos depois da graduação, eram sempre cheios de expectativas vazias. Os desencontros eram sempre presentes. Bárbara, Irene, Ana de Amsterdam. Não lembro qual o nome da sua namorada naquele tempo. Eu não fazia questão de lembrar. Às vezes eu tinha impressão que você se aborrecia quando eu a chamava por qualquer nome. Eu sentia ciúmes, mas aquele jogo eu já havia perdido todas as rodadas. Até hoje não sei o que te faz manter contato comigo.
Nunca pensei ter sido obra do Acaso de Vila-Matas você ter aparecido na minha primeira aula como professora de literatura. Quase perdi a fala. Quase perdi o jeito. E quase te perdia de vista. De longe você parecia realmente interessado no que eu tinha para dizer sobre minhas análises acerca das letras de Caetano Veloso e a Revolução Democrática no Haiti. Mas esse era você. Sempre interessado nas falas, no pensamento. As ações eram bônus. Mas essa era minha análise sobre você.
Os alunos daquela turma presenciaram, talvez, a minha melhor aula. Eu queria me exibir pra você. Mas você não me dava nenhuma prova. Nenhum sorriso de canto. Nenhuma pergunta sacana.
Apenas um "vamos tomar um café?" ao fim da aula e um Domingo Molina que eu beberia sozinha na cama. Peguei Rubem Fonseca e li um trecho do conto em que descrevia o seio ideal pra ele. Tinha algo sobre não ser grande, nem vazar pelos lados das mãos. Um seio que cabia na mão de um homem. Pergunto qual seu tipo de seio ideal e sua resposta é a menos comum de todas: "O problema é que eu tenho as mãos grandes, ou seja...". Eu ri um pouco e olhei meus seios. Minha vida toda os achei pequenos, mas nunca pensei em fazer cirurgia como algumas amigas da graduação. Você percebendo meu silêncio continuou: "Mas já li isso em algum lugar. Acho que foi do Chico Buarque".
Você tinha mudado. Não apenas seu corpo, mas você também tinha. Aquela intimidade com nossos velhos artistas não existia mais. "Esse é do Rubem. Não lembro de Chico falando sobre seios, ele é muito recatado. Se esconde atrás de metáforas." falei e enchi meu copo novamente.
Quanto de mim havia mudado pra você? Isso importava? Não, nem um pouco. Pra você não era isso que importava. Ali não havia espaço para metafísica que eu deixava viver todos os outros dias de minha vida.
Você movia-se falando pausadamente, chegando aos poucos perto de mim. Colocando meu copo no chão e puxando-me novamente para a cama: "eu acho que o seio perfeito cabe na minha boca enquanto seguro ele com as mãos."

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Tensão Sexual


Tensão sexual. É exatamente isso que existe entre a gente. Não sei como ou quando começou. Não reclamo, não apelo. Gosto de toda essa energia que flui entre a gente. E quando dizem aquele clichê de que o proibido é mais gostoso eu concordo plenamente.
Gosto quando teu olhar me deixa nua no meio de uma conversa qualquer. Onde você usa entonações diferentes e que pra mim cada entonação é como cada peça de roupa que uso. Os sorrisos de canto e trechos obscenos dos teus escritores favoritos. Ninguém nota. Aqueles sussurros em meu ouvido e tua mão a percorrer por minhas costas. Você sabe como me provocar. Essa noite toda, onde tua boca beijou, lambeu e mordeu várias partes de meu corpo. É, você me deixou louca. E não foi apenas uma vez.
Tentei não ficar lembrando dos arrepios que a tua barba mal feita provocou em minha nuca. Tive que escrever. Te eternizar nessas linhas. Expurgar. Pra assim a tensão aumentar novamente. E então te provocar. Sentir você segurar sua vontade, sua fraca tentativa em esconder seu tesão. Vamos ver quem desiste desse jogo primeiro.


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Madonna do Bar

Gosto de pensar que todos os meus relacionamentos começam com café, alguma literatura ao fundo, cigarros e comentários ácidos. O café nos permite algo sensual que nenhuma outra bebida pode proporcionar. Nem mesmo o vinho. Mas pensando melhor, eles começaram em algum bar e com muita cerveja paga por outras pessoas que falam sobre qualquer coisa menos sobre literatura, com muitos cigarros e comentários ácidos em dobro. No seu caso, era a primeira vez que eu pagava. Gosto de pensar também que tudo se passa no pôr-do-sol (algo que sempre é lindo em nossa cidade), mas o que a memória me apresenta é que já era noite, sem lua e ninguém queria saber de ninguém.
Cigarros. Cigarros que contradiziam a minha vida e a sua. Como boas jovens de nossa época, lamentávamos sempre por não estar em outro lugar. E isso porque já havíamos superado o viver em outro lugar de outra época. Era viver de saudade de algo que nunca tivemos. Mas no fundo colecionávamos fotos, músicas e filmes dos anos 1970. Pra mim os franceses são essenciais. Tenho a leve impressão que você prefere os russos.
Teu nome era um velho pesadelo pra mim. Ativou todas as minhas defesas que na verdade foram desarmadas assim que você reconheceu os versos de minha tatuagem. Você tem um riso fácil e fechado. Um riso pelos olhos que eu nunca vou ter, mas que gosto de apreciar em outras pessoas. É um riso triste, cansado aos vinte e poucos anos das poucas e ferrenhas surras que a vida nos deu. Digo poucas, pois há ainda muita vida pela frente. Muita surra também, não adianta querer ser positiva a essa altura do campeonato. Afinal, não temos talento e drogas suficientes para morrer aos vinte e sete anos como aqueles que não foram nossos pais mas que adoramos.
Sempre vi em ti o peso das palavras de Fernando Pessoa ou qualquer dos seus heterônimos. Ouso até dizer que tu podias ser um heterônimo dele. Cheia de erros e mais erros. Como cada ser que respira nesse mundo.
E cá está algo sobre ti. Como tu falas! Falas demasiado sobre tudo e parece ser nada. Esconde teu mundo nas palavras e teu riso triste mostra um pouco desse mundo escondido. E do pouco que observei em ti, pois para não apaixonar basta não olhar, teu corpo tenso, dançando uma música estranha, você sozinha na multidão e conversando com todos. Cigarros e mais cigarros que sua mãe não gosta e que vão contra a minha e a sua vida.

Nosso relacionamento nunca começou num café. Nem no bar onde eu pagava cervejas. Nem na festa de ano novo, nem no churrasco do carnaval. Mas você continua falando e o café esfriando.

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Foto por Edward Chan

Esses dias que antecedem
um ex-fim de mundo
me deixam muda
e me jogam no fundo
de meu próprio poço de memórias.

Dormindo, acordada, sedada,
chapada, bêbada ou equilibrista...
Minha mente não para.
Cria, re-cria e destrói.
Não sobra nada.

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Yeux

Breakfast at Blockbuster por Juliana Cimeno

Não sei o que anda
acontecendo com a visão alheia.
Enxergam certa mulher em mim
Dessas de se admirar na lua cheia,
levar flores no trabalho
e querer ser servo dela a vida inteira.

Enxergo apenas aquilo que sou
E muitas vezes não enxergo nada.
Nem minha própria altura,
como Fernando disse uma vez.
Eu não enxergo nada
E não sonho nada, Fernando.

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Agora eu era Harrison Ford e meu cachorro só falava inglês



Por esses dias cometi o erro de dizer que Drogo é o meu primeiro cachorro. Na verdade, até onde me lembro, Luke foi meu primeiro cachorro.
Lembro que acompanhei meus avós num passeio e no meio disso eles resolveram visitar uma velha amiga da minha avó. Acho que estávamos em uma cidade chamada Caracaraí. Cidade onde minha avó nascera e crescera na época em que Roraima fazia parte do território do Amazonas. Até hoje ela tem orgulho de lembrar isso.
Enquanto minha avó matava a saudade da tal amiga que não lembro nome, muito menos feição, eu estava andando ao redor da casa. Nos meados dos anos 90 poucas casas tinham cercas ou muros. O calor sempre presente e naquela rua não havia muita coisa a ser explorada. A cidade era uma vila, por assim dizer. Decidi fazer guarda para o carro do vovô. Naquele tempo os filmes de Indiana Jones faziam minha cabeça. Hoje em dia ainda há muita referência em minha vida, assim como StarWars. Lucas é um cara que faz parte de minha vida. Mesmo com StarWars sendo da Disney agora. Mas naquele tempo Harrison Ford era meu herói. Cheguei a ter um colete igual o dele, cheio de bolsos. Era uma maravilha. 


E bom, como todo guarda precisa de um inimigo, foi aí que me apareceu o Luke. Um vira-lata pulguento e cheio de carrapato. Peguei um pano velho e comecei a brincar, digo, lutar contra ele. Luke até o momento não se chamava Luke. Ele era apenas o bandido e eu era Harrison Ford, digo, era o Indy. Brincamos tanto, digo, brigamos tanto que até esqueci a hora do lanche. Vovó e vovô já estavam de volta e prontos para ir embora. Acho que eles passaram algum tempo me olhando brincar com o Luke.
Sinceramente eu nunca fui de muitos amigos, sempre fui de muitos livros. Isso talvez tenha surpreendido eles. Perguntei se poderia levar o pulguento pra casa e vovó deixou a decisão final com o vovô, afinal, o carro era dele. Vovô falou que eu deveria manter o pulguento limpo e que deveria dar um nome.
Não tive dúvida em chamá-lo de Luke. Tinha lido esse nome num livro sobre histórias de vampiros e achara o personagem fascinante. Ele era uma espécie de príncipe de um clã de vampiros muito importante.

Luke foi um parceiro muito barulhento. Eu não sabia que cuidar de cachorro era mais difícil que irmão caçula. Afinal, irmão caçula você coloca pra ver TV e ele fica lá. Luke era uma mistura de poodle com vários outros super cachorros. Sua bagunça era proporcional aos seus pêlos: MUITA! Ele não chegou a ficar velhinho ao meu lado, acabou tendo alguma infecção e eu como criança não conseguia entender. Na minha cabecinha daquele tempo, cachorros nunca ficavam doentes. 

Depois de Luke eu passei um longo tempo sem ter animais. Daí veio o Zumba, um gato preto que mais fugia do que ficava comigo. Eu não me importava. Então em Setembro de 2012 fui adotada pelo Drogo, meu Khal. Bem assim mesmo. Ele que me adotou. Drogo tem sido um parceiro pra muitas caminhadas, corridas e pulos de cangurus. Não posso esquecer do Tigre, cachorro adotado por toda a família depois de ser abandonado na frente de nossa casa. Um cachorro que se chama Tigre, tem rabo de raposa e aprendeu a pular feito canguru com o Drogo.
Mas uma coisa não posso negar, meus bichos de estimação sempre tem nome de reis ou príncipes.

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