Gosto de pensar que todos os
meus relacionamentos começam com café, alguma literatura ao fundo, cigarros e
comentários ácidos. O café nos permite algo sensual que nenhuma outra bebida
pode proporcionar. Nem mesmo o vinho. Mas pensando melhor, eles começaram em
algum bar e com muita cerveja paga por outras pessoas que falam sobre qualquer
coisa menos sobre literatura, com muitos cigarros e comentários ácidos em dobro.
No seu caso, era a primeira vez que eu pagava. Gosto de pensar também que tudo
se passa no pôr-do-sol (algo que sempre é lindo em nossa cidade), mas o que a
memória me apresenta é que já era noite, sem lua e ninguém queria saber de
ninguém.
Cigarros. Cigarros que
contradiziam a minha vida e a sua. Como boas jovens de nossa época,
lamentávamos sempre por não estar em outro lugar. E isso porque já havíamos
superado o viver em outro lugar de outra época. Era viver de saudade de algo
que nunca tivemos. Mas no fundo colecionávamos fotos, músicas e filmes dos anos
1970. Pra mim os franceses são essenciais. Tenho a leve impressão que você
prefere os russos.
Teu nome era um velho
pesadelo pra mim. Ativou todas as minhas defesas que na verdade foram
desarmadas assim que você reconheceu os versos de minha tatuagem. Você tem um
riso fácil e fechado. Um riso pelos olhos que eu nunca vou ter, mas que gosto
de apreciar em outras pessoas. É um riso triste, cansado aos vinte e poucos
anos das poucas e ferrenhas surras que a vida nos deu. Digo poucas, pois há
ainda muita vida pela frente. Muita surra também, não adianta querer ser
positiva a essa altura do campeonato. Afinal, não temos talento e drogas
suficientes para morrer aos vinte e sete anos como aqueles que não foram nossos
pais mas que adoramos.
Sempre vi em ti o peso das
palavras de Fernando Pessoa ou qualquer dos seus heterônimos. Ouso até dizer
que tu podias ser um heterônimo dele. Cheia de erros e mais erros. Como cada
ser que respira nesse mundo.
E cá está algo sobre ti. Como
tu falas! Falas demasiado sobre tudo e parece ser nada. Esconde teu mundo nas
palavras e teu riso triste mostra um pouco desse mundo escondido. E do pouco
que observei em ti, pois para não apaixonar basta não olhar, teu corpo tenso,
dançando uma música estranha, você sozinha na multidão e conversando com todos.
Cigarros e mais cigarros que sua mãe não gosta e que vão contra a minha e a sua
vida.
Nosso relacionamento nunca
começou num café. Nem no bar onde eu pagava cervejas. Nem na festa de ano novo,
nem no churrasco do carnaval. Mas você continua falando e o café esfriando.
Ágda, proponho-te um ménage! Sem recusas. haha Brincadeiras à parte, texto dos mais bonitos e inspirados, são coisas que me comovem estas descritas aí, desejo fluidez sempre! Um beijo!