Archive for abril 2014

Meio seio


Hoje ao ler O Seio, do Roth, acabei por lembrar de outro seio, do Rubem Fonseca. Aos poucos aquele encontro inesperado que tivemos foi se construindo em minha memória. Visitar sua cidade, naqueles primeiros anos depois da graduação, eram sempre cheios de expectativas vazias. Os desencontros eram sempre presentes. Bárbara, Irene, Ana de Amsterdam. Não lembro qual o nome da sua namorada naquele tempo. Eu não fazia questão de lembrar. Às vezes eu tinha impressão que você se aborrecia quando eu a chamava por qualquer nome. Eu sentia ciúmes, mas aquele jogo eu já havia perdido todas as rodadas. Até hoje não sei o que te faz manter contato comigo.
Nunca pensei ter sido obra do Acaso de Vila-Matas você ter aparecido na minha primeira aula como professora de literatura. Quase perdi a fala. Quase perdi o jeito. E quase te perdia de vista. De longe você parecia realmente interessado no que eu tinha para dizer sobre minhas análises acerca das letras de Caetano Veloso e a Revolução Democrática no Haiti. Mas esse era você. Sempre interessado nas falas, no pensamento. As ações eram bônus. Mas essa era minha análise sobre você.
Os alunos daquela turma presenciaram, talvez, a minha melhor aula. Eu queria me exibir pra você. Mas você não me dava nenhuma prova. Nenhum sorriso de canto. Nenhuma pergunta sacana.
Apenas um "vamos tomar um café?" ao fim da aula e um Domingo Molina que eu beberia sozinha na cama. Peguei Rubem Fonseca e li um trecho do conto em que descrevia o seio ideal pra ele. Tinha algo sobre não ser grande, nem vazar pelos lados das mãos. Um seio que cabia na mão de um homem. Pergunto qual seu tipo de seio ideal e sua resposta é a menos comum de todas: "O problema é que eu tenho as mãos grandes, ou seja...". Eu ri um pouco e olhei meus seios. Minha vida toda os achei pequenos, mas nunca pensei em fazer cirurgia como algumas amigas da graduação. Você percebendo meu silêncio continuou: "Mas já li isso em algum lugar. Acho que foi do Chico Buarque".
Você tinha mudado. Não apenas seu corpo, mas você também tinha. Aquela intimidade com nossos velhos artistas não existia mais. "Esse é do Rubem. Não lembro de Chico falando sobre seios, ele é muito recatado. Se esconde atrás de metáforas." falei e enchi meu copo novamente.
Quanto de mim havia mudado pra você? Isso importava? Não, nem um pouco. Pra você não era isso que importava. Ali não havia espaço para metafísica que eu deixava viver todos os outros dias de minha vida.
Você movia-se falando pausadamente, chegando aos poucos perto de mim. Colocando meu copo no chão e puxando-me novamente para a cama: "eu acho que o seio perfeito cabe na minha boca enquanto seguro ele com as mãos."

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Tensão Sexual


Tensão sexual. É exatamente isso que existe entre a gente. Não sei como ou quando começou. Não reclamo, não apelo. Gosto de toda essa energia que flui entre a gente. E quando dizem aquele clichê de que o proibido é mais gostoso eu concordo plenamente.
Gosto quando teu olhar me deixa nua no meio de uma conversa qualquer. Onde você usa entonações diferentes e que pra mim cada entonação é como cada peça de roupa que uso. Os sorrisos de canto e trechos obscenos dos teus escritores favoritos. Ninguém nota. Aqueles sussurros em meu ouvido e tua mão a percorrer por minhas costas. Você sabe como me provocar. Essa noite toda, onde tua boca beijou, lambeu e mordeu várias partes de meu corpo. É, você me deixou louca. E não foi apenas uma vez.
Tentei não ficar lembrando dos arrepios que a tua barba mal feita provocou em minha nuca. Tive que escrever. Te eternizar nessas linhas. Expurgar. Pra assim a tensão aumentar novamente. E então te provocar. Sentir você segurar sua vontade, sua fraca tentativa em esconder seu tesão. Vamos ver quem desiste desse jogo primeiro.


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Madonna do Bar

Gosto de pensar que todos os meus relacionamentos começam com café, alguma literatura ao fundo, cigarros e comentários ácidos. O café nos permite algo sensual que nenhuma outra bebida pode proporcionar. Nem mesmo o vinho. Mas pensando melhor, eles começaram em algum bar e com muita cerveja paga por outras pessoas que falam sobre qualquer coisa menos sobre literatura, com muitos cigarros e comentários ácidos em dobro. No seu caso, era a primeira vez que eu pagava. Gosto de pensar também que tudo se passa no pôr-do-sol (algo que sempre é lindo em nossa cidade), mas o que a memória me apresenta é que já era noite, sem lua e ninguém queria saber de ninguém.
Cigarros. Cigarros que contradiziam a minha vida e a sua. Como boas jovens de nossa época, lamentávamos sempre por não estar em outro lugar. E isso porque já havíamos superado o viver em outro lugar de outra época. Era viver de saudade de algo que nunca tivemos. Mas no fundo colecionávamos fotos, músicas e filmes dos anos 1970. Pra mim os franceses são essenciais. Tenho a leve impressão que você prefere os russos.
Teu nome era um velho pesadelo pra mim. Ativou todas as minhas defesas que na verdade foram desarmadas assim que você reconheceu os versos de minha tatuagem. Você tem um riso fácil e fechado. Um riso pelos olhos que eu nunca vou ter, mas que gosto de apreciar em outras pessoas. É um riso triste, cansado aos vinte e poucos anos das poucas e ferrenhas surras que a vida nos deu. Digo poucas, pois há ainda muita vida pela frente. Muita surra também, não adianta querer ser positiva a essa altura do campeonato. Afinal, não temos talento e drogas suficientes para morrer aos vinte e sete anos como aqueles que não foram nossos pais mas que adoramos.
Sempre vi em ti o peso das palavras de Fernando Pessoa ou qualquer dos seus heterônimos. Ouso até dizer que tu podias ser um heterônimo dele. Cheia de erros e mais erros. Como cada ser que respira nesse mundo.
E cá está algo sobre ti. Como tu falas! Falas demasiado sobre tudo e parece ser nada. Esconde teu mundo nas palavras e teu riso triste mostra um pouco desse mundo escondido. E do pouco que observei em ti, pois para não apaixonar basta não olhar, teu corpo tenso, dançando uma música estranha, você sozinha na multidão e conversando com todos. Cigarros e mais cigarros que sua mãe não gosta e que vão contra a minha e a sua vida.

Nosso relacionamento nunca começou num café. Nem no bar onde eu pagava cervejas. Nem na festa de ano novo, nem no churrasco do carnaval. Mas você continua falando e o café esfriando.

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