Archive for abril 2010

Pessoana


Quando não sei o que sinto
sei que o que sinto é o que sou.
Só o que não meço não minto.
(...)
De ponto a ponto rabisco
o mapa de onde não vou,
(...)
penetrável labirinto
em cujo centro não estou
mas apenas me pressinto
mero signo, simples mito.


“Pessoana” - Paulo Henriques Britto -

É uma vontade de não sei o quê. Um vazio que nunca preenche. Indecisão onde não há nada o que decidir. E não, isso não é paixão. É falta de ocupação. Falta de coração. Falta de humilhação e chega de palavras com ‘ão’, porque já disse: “Não fui feita pra rimar”. E talvez nem pra amar.

Sou feita de saudade e vivo de dramas. Até aqueles que não me pertencem. Sou uma mistura de lealdade e desconfiança de um modo até aterrador. Contrariar é uma arte. Raras às vezes consigo ser objetiva. E ainda assim odeio prolixidade.

Sou um mosaico de sentimentos. Dores, sabores, amores. Tentar entender-me chega a ser um tormento. Melhor é ir vivendo e vendo. Porque estar ao meu lado não é garantia de companhia. Sempre estarei aonde nunca vou estar. Sempre vou fingir que estarei a sonhar.

Não sou ciclo, e nem gosto disso. Não estou perdida, mas sinto estou me perdendo pra algo, nunca pra alguém... Ou por alguém. E sempre, sempre posso duvidar de algo. Porque exatidão é um padrão que não me convém.

E eu sempre fico com essas rimas na mão, depois de ler os poemas do Rafael que entram no coração. Eu não tenho coração, já disse isso?
Devo ter um buraco negro, que sempre me puxa, sempre dá umas pontadas fortes como se estivesse me puxando de fora pra dentro. É uma agonia. Algo esquisito e doloroso isso.

Detesto rimas. Elas grudam em mim. Mas só aquelas rimas pobres. E então fico lutando contra elas. E fico lutando contra meus pensamentos. Ou seriam sentimentos?

Deve ser coisa de momento. Chega de tormento. Chega de sentimento!

Na verdade, ser assim é algo indefinido. Ou pelo é algo que não se define em poucas páginas. Devo ser apenas um mosaico de sentimentos, só isso. Não é coisa de momento.

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Assalto das Lembranças

Não, o homem feliz não é o que tem camisa, como o da história que o Padre Barnabé nos contava, no seminário. O homem feliz é o que não tem passado. O maior dos castigos, para o qual só há pior no inferno, é a gente recordar. Lembrança que vem de repente e ataca como uma pontada debaixo das costelas, ali onde se diz que fica o coração. Alguém pode ter tudo, mocidade, dinheiro no bolso, um bom cavalo debaixo das pernas, o mundo todo ao seu dispor. Mas não pode usufruir nada disso, por quê? Porque tem as lembranças perturbando. O passado te persegue, como um cão perverso nos teus calcanhares. Não há dia claro, nem céu azul, nem esperança de futuro, que resista ao assalto das lembranças.

Pág. 188, Memorial de Maria Moura – Rachel de Queiroz


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Esperança

Eu estava descansando quando ela reapareceu depois de anos. Silenciosa e desconfiada foi entrando, e eu estava perdida em pensamentos que não fui capaz de perceber sua presença. Sua gloriosa presença.

Deitada no chão do escritório aproveitando o silêncio da hora do almoço, eu jurava estar sozinha. Tudo era igual, calmo e monótono. Tudo era branco, preto, marrom e cinza. Tudo era o resultado da sabedoria humana. E ainda assim não era nada.

Não havia mais o tic-tac do relógio para me hipnotizar. Não havia ventilador no teto para prender minha visão. Não havia moscas zunindo e nem vendedores de pamonha para me trazer de volta a realidade irreal da vida. Era apenas eu, o horrível silêncio e ela, sorrateira e desconfiada vigiando-me.

Ainda não descobri porque ela veio até mim. Não estava perdida e muito menos minh’alma estava corrompida. Mas as coisas não acontecem para se ter uma explicação Ou acontecem? Pois se acontecem para se ter essa explicação, esqueceram de nos dar esse direito. Talvez só nos seja acessível à explicação plausível. Aquela cheia de dogmas e que segue apenas uma vertente, julgando esta ser a melhor para a compreensão fraca dos humanos.

Lembro-me da ultima vez que a tinha visto. Era o sitio de meus avós, um dia chuvoso e quieto. Eu queria brincar na chuva, mas não deixaram. Tranquei-me no quarto e fiquei vendo a chuva cair da janela. Estava distraída quando ela entrou pela janela, molhada e fraca. Tive medo de machucá-la e mesmo assim a peguei e coloquei na cama. Ela pulou, sacudiu-se e me fez rir. Começou a pular pelo quarto inteiro, parecia dar vida a tudo em que tocava. Parecia colorir o quarto com seu verde flamejante.

Aquela era minha ultima tarde no sitio, e graças a ela, fora a mais divertida. Depois disso parece que vivi um tempo inteiro dormindo, sem ações e pensamentos, muito menos sonhos ou talentos. Fui apenas vivendo sem notar que ela sempre esteve a minha espreita, guiando-me.

Espreguicei-me lentamente já pensando nas coisas que teria que fazer a seguir. Guardei minha almofada com estampas de elefantes e sentei na cadeira. Ainda de olhos fechados tentando aproveitar aquela paz, fiquei uns minutos quieta. Foi ai que ouvi o barulho de seu salto. Eu conhecia aquele barulho. Ele sempre esteve guardado na minha memória. Abri os olhos e lá estava ela em cima da pilha de arquivos que eu teria que arquivar. Meu sorriso abriu-se como não fazia há tempos. As engrenagens de meu rosto rangeram devido ao esforço de retornar ao esboço antigo de um sorriso que outrora tinha sido minha marca pessoal.

Não lembro quando parei de sorrir, não lembro os motivos para realizar o ato de isolar aquela menina que tinha brincado numa tarde chuvosa de verão com uma... uma...

Tinha esquecido seu nome! Agora além de lutar para formar um sorriso decente, teria que lembrar seu nome. Senti meu coração murchar novamente, querendo voltar rapidamente ao estado letárgico em que me achava. Mas não podia deixar isso ocorrer. Uma velha amiga aparecera para uma visita e eu não podia voltar ao ser que estava no chão.

Estendi minha mão para que ela saltasse.

Um longo momento de silêncio em busca da confiança nos infiltrou. Eu esperei seu movimento. Minha respiração era mínima para que não a assustasse. E pata por pata ela foi colocando na palma de minha mão. Aquela sensação de confiança, de entrega de vida era acalentadora.

Mas fazia tanto tempo que uma vida se entregava a mim que eu não sabia o que fazer. Fiquei parada observando-a. Suas longas antenas mexiam-se devagar, seus olhos enormes vasculhavam todo o escritório. Ela estranhava aquele lugar. Assim como eu estranhava todos os dias que pisava ali. Aquelas cores mortas nos faziam ficar vazias. E por um breve momento pedi-lhe para me levar dali.

Caminhei até a minúscula janela e a incentivei a ir. Não podia atrasar-me mais. Ao longe já se ouvia o som de trovoadas. Minha pequena amiga assustou-se e saltou para dentro, saltitando por todos os lados, em cima dos armários, do computador quebrado e inacreditavelmente estava devolvendo-me a vida.

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Tabuleiro Linguístico

Vozes, sussurros. Vozes, murmúrios. Vozes, burbúrios. Vozes, lamentações.
Ou o grito?
Clemência.
Liberdade.
Intolerância.
Sagacidade.
Inocência?
Um turbilhão de vozes ecoa dia após dia e mesmo assim continuam mudos.
Já faz tempo em que se viam pessoas com objetivos marcados no peito e seus olhos flamejavam vida.
Já faz tempo em que não se vê vida nos olhos de ninguém.
Jamais vi uma geração mais acomodada do que essa a qual faço parte. Ninguém sabe o que é um partido de esquerda, de direita. Mal sabem o que foi a Proclamação da Republica que não teve nada de público. Saber sobre política hoje é caretice. Ler jornal só na véspera do vestibular, ou na sala de espera do dentista – e olhe lá!
Hoje em dia tudo e todos têm que se enquadrar em algo. Pertencer a algo, a alguém.
Ter time, beber cerveja, ser crente, ser ateu, gostar de algo, ser alguém. Tem que ser algo, ser indeciso é doença. Quando no fundo é o que todos são.
Nos olhos de alguns ainda flameja a velha chama ao lembrar de algo, a vida já esteve nos olhos deles. “Diretas Já”, “Caras Pintadas” e tantos outros movimentos juvenis não foram algazarras em busca de atenção. Mudaram o país. Houve uma diferença. Houve gritos de vida!
Sempre se terá vida enquanto houver sonhos impossíveis e a alma jovial pronta a lutar por seus ideais.
Ideais.
Objetivos.
Sonhos reais.
E sorrisos.
Aos poucos vamos tomando consciência de que realmente somos o futuro desse país. Aos poucos, ao menos isso.
O rodízio de pizza está se esgotando, os garçons estão indo e pouco a pouco a chama viva brilha novamente nos olhos.
Pouco a pouco cada um participa da história tomando as rédeas desse prematuro país em busca de humanidade. Basta levantar do sofá e ver no que o mundo está se transformando. Ou no que estamos deixando esse mundo se tornar.
Vamos lá, é hora de sonhar.

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