Archive for janeiro 2012

Todos Estão Surdos

A maior parte da casa estava escura. Alguns fumavam na varanda, outros estavam espalhados pelo quarto e alguns abandonados na cozinha. Todos um pouco bêbados, um pouco cansados e um tanto exaltados. Fazia quase um ano que não se juntavam para fazer algo. As conversas desconexas cansavam todos, mas sair dalí parecia não ser uma boa opção aquela hora. E nem era tão tarde assim. Você podia respirar e sentiria a tensão que a casa carregava. E se fosse bem esperto, ficaria longe dela. Era o fim das férias, o fim do inverno seco, o fim de Janeiro, o fim de algumas amizades.
Jaya cansada de ouvir as mesmas histórias, usou a desculpa de que precisava fumar para sair do quarto, para fugir de todos aqueles risos mascarados pelo álcool. Há alguns anos, era diferente. Todos desejavam a presença um do outro, era uma sede que só aquele grupo poderia suprir, eram os problemas que só aquele grupo entenderia as queixas e teria soluções. Mas hoje os problemas só aumentaram, e nem o álcool consegue mantê-los no mesmo lugar. Alguns desejavam poder se duplicar para que de algum modo ter a noção de união que outrora existira.
O único faixo de luz que vinha era do quarto. Jaya caminhava com cuidado mesmo a sala não tendo nenhum móvel. Os risos vinham do quarto, da varanda, da cozinha... Tão forçados e ridículos que nem para atores aqueles que ali estavam serviam. Mais um pouco a frente, um vulto movia-se na escada. Alguem que como ela, parecia não suportar estar no quarto ou na varanda.
- Oh, é você Lola. Tá sentindo algo?
- Não, nada. Só quero ficar quieta aqui.
- Ah, ok. Vou ficar quietinha aqui, tá bom? - Jaya falou sentando-se na escada também. Colocou os pés no vão e ficou balançando-os. Não ousava olhar para baixo. Estava muito escuro e sua imaginação só precisava de um vulto para começar a criar outro mundo. Fechou os olhos e pôs a escutar a respiração de Lola. Era pesada como de todos os outros na casa.
Elas duas nunca foram de conversar muito. Não por haver tantas diferenças, mas por falta de oportunidade. Jaya conversava com todos, mas era reservada. Ambas eram reservadas. Jaya fumava, era mais velha, mais indecisa e era boa ouvinte. Lola cantava, era a caçula, perfeccionista e achava Jaya a pessoa mais estranha que conhecera.
- Faz muito tempo que não sinto nada. - Começou Lola. Respirava bem lento, procurava as palavras certas para descrever como se sentia. Mas o que ela não sabia, é que palavras certas nunca existem. Palavras são apenas palavras e por mais que você as escolha, um bom ouvinte sempre saberá do que realmente se trata. - Faz muito tempo que todo começo de ano eu acho que vou fazer tudo direito, que vou encontrar um bom namorado e que vai durar. Mas nada disso acontece. Faz tanto tempo que eu já não espero mais nada desse ano. Eu não entendo, todos tem seus namorados, namoradas, empregos promissores, um carro, uma casa e eu ainda nem saí da casa dos meus pais.
- Eu também moro com meus pais, é bom. Morar sozinha tem lá suas vantagens, mas apesar de muitas reclamações, eu prefiro morar com meus pais. Também não tenho namorado, mas bom, não tem me feito falta.
- Jaya, você tem seus casos.
- Casos e acasos, Lola. Mas o assunto aqui é você. Continue falando. Você vai encontrar a resposta.
- Eu tranquei a faculdade.
- Bem-vinda, tranquei 3.
- Ainda sou virgem.
- Isso é algo que a sociedade impõe. Você realmente não devia se preocupar com isso. Exceto se seus hormônios pedirem.
Elas riram. O ar já estava mais leve. Os risos nos outros cômodos haviam diminuído. Jaya sentiu vontade de fumar um cigarro, mas sabia que Lola esperava que ela a escutasse mais um pouco. Pigarreou alto como que incentivasse Lola a continuar a falar.
- Não sei realmente o que quero fazer da vida.
- Ah, minha cara... Não vai ser eu quem vai te dizer o que fazer. Comece pelo seu quarto, pela sua casa, pelo seus pais. De algum modo os planos irão surgir. Siga seu próprio tempo, mas por favor, que ele não seja lento demais. O mundo não espera pela gente. Temos sempre que correr atrás dele, atrás de tudo. Não fique sentada apenas olhando a escada. Prepare outro martine e brinde a vida que tens. Busque sempre valorizar o que tens e quem tens por perto. A gente anda meio degastado em termos de valorizar algo, mas temos um ano pela frente para fazer diferente. Não acha?
- Acho que você deveria largar Letras e fazer Psicologia.
- Não mesmo! - Jaya retrucou rindo. - Sua melhor amiga, que cursa Psicologia, está bêbada lá dentro e se quer notou sua ausência.
- Você notou a minha?
- Achei que estava lá na varanda com os outros.
- Então não notou.
- Entenda como quiser.
Jaya levantou e começou a descer as escadas. Não podia mais adiar o cigarro e já havia escutado Lola mais do que o necessário. Estavam bêbadas, não lembrariam de nada do que falaram no dia seguinte. As pessoas do quarto saíram, arrastaram Lola de volta. Jaya foi para os fundos da casa fumar seu cigarro. Precisava do seu tempo quieta. A noite ainda estava longe de acabar e ir pra casa não era uma boa opção. Fumava um cigarro atrás do outro. Janeiro passara tão rápido e ela ainda estava desempregada. A única luz que havia onde ela estava era da brasa do cigarro. Há alguns anos que a brasa do cigarro era sua única luz. Alguem se aproximava aos tropeços em sua direção.
- Oh, Jaya, é você. Tá bem?
E quando Jaya ia responder, a mulher vomitou bem perto dos seus pés. Jaya largou o cigarro e foi ajudar Gisele, que provavelmente estava entrando em seu trigésimo coma alcoolico em menos de dois meses.
Jaya nunca tivera a sorte de encontrar um bom ouvinte. Todos estão surdos e ninguém nota. Todas as notas ecoam nas paredes e as almas estão trancadas num poço sem luz, sem água e com pouco ar.

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Preto duBom

Hoje minha irmã perguntou-me qual foi a melhor coisa que aconteceu pra mim em 2011. E eu nem precisei pensar muito.

Os cafés foram os melhores.

Eram mini-férias. Eram uma viagem. Eram nosso jeitinho de ficar perto de quem amamos...
Podia ser aquele bem doce, que o vovô costuma fazer todos os dias bem cedinho. Em que sempre reclamo o quão doce está, mas ainda assim bebo todinho e me enche de alegria pra aguentar o dia. Pode ser aquele comprado na padaria, em que bebo sozinha lendo o jornal e comendo um pão de queijo borrachento, mas ainda assim bom. Pode ser aquele que de um cafezinho de 15 minutos do intervalo, se estende até o meio-dia e a barriga começa a roncar. Pode ser aquele último gole da garrafa, quase frio e cheio de borra; e junto com um cigarro salva a pátria dos nervos ja cansados. Até aquele com gosto de chulé. Pode ser também aquele feito pro lanche da tarde, com aquele monte de primo queimando a língua por não saber apreciar o café da vovó. Ou aquele feito de madrugada, as escondidas, só pela simples vontade de querer café aquela hora. Pode ser aquele café tinta, feito num domingo na casa do Oskar, e que segundo a mãe dele: "só sendo muito ninja pra bebê-lo". Pode ser também aquele cheio de cremes, licores e bolinhos de chuva. Ou aquele antes da aula de Espanhol... Poder ser o acompanhado de conhaque, que espanta qualquer tristeza.

E até esse, que esfriou.

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Janeiro Triste



- O chá acabou. Vou fazer mais. Queres?
- Não, não. Fica aqui comigo. Tá frio e se tu fores, vai perder o pôr do sol.

Fiquei lembrando daquele Janeiro. Aquele em que muitos dias foram tristes e ainda assim a gente tentava ficar um ao lado do outro. Em alguma visão de fora, isso certamente seria ridículo, desnecessário. Afinal, porque fazíamos aquilo? Nos amávamos, ou nos amamos. Você certamente responderia isso.
Eu era (talvez ainda seja) boa em palavras. Você também. E eu me lamuriava pra você e sobre você. E você pacientemente escutava-me. Agora sinto até vergonha disso. Mas não sei bem o motivo da vergonha. Ou talvez nem seja isso.
Em um desses dias tristes de Janeiro, ganhei uma daquelas fitinhas que se costuma amarrar no pulso, e a cada nó se faz um pedido.
Conforme meu amigo ia amarrando, ia perguntando se eu tinha feito o pedido. Para os dois primeiros respondi automaticamente que sim, para o ultimo me veio teu nome à cabeça. Como te falei no primeiro dia desse Janeiro triste: Amo seu nome, é lindo. Dá vontade de sempre ficar repetindo-o bem pertinho do seu ouvido. E lá, no terceiro nó ficou o teu nome.
Usei várias dessas fitinhas. Alguns desejos realizaram-se, de fato. Era divertido lembrar.
E agora, olho para a fitinha no meu pulso direito e lá está ela, firme e forte. Nenhum desejo realizado. E teu nome continuava lá. Firme e forte.
Mas eu se quer fizera um desejo. Apenas me veio o teu nome e pronto, ele já havia finalizado o nó. E talvez tivesse até ultrapassado o limite de nós. Eu não sabia bem. Eu nunca sabia, na verdade. Eu só sabia que gostava de você e queria você. E era uma briga todos os dias. Gostar, não gostar, gostar... por fim.

E aí tu vem e diz que sou a única certeza que tens na vida.

Esse mesmo Janeiro triste, cheio de confusões bobas, fatos que não mereciam atenção, confissões bobas, confissões sérias... As minhas eram confissões sérias. As suas também. Eram, ao menos pra mim. E era sério, e era bagunça, e era drama e éramos nós. E você pacientemente escutava-me e docemente respondia-me. Jamais afastando-me, jamais magoando-me. E eu reclamando, mal sabendo que te machucava ao falar tudo aquilo. Mas a quem mais poderia falar?
Esse mesmo Janeiro triste trouxe de novo outra aproximação entre nós. Talvez eu precisasse daquilo ao menos uma vez por mês. Eu nem sei bem.
E Janeiro ainda nem havia terminado. Aquele ano mal havia começado e nós já queríamos fugir de todos, de tudo. Qualquer lugar servia.
Qualquer afago era aceito. Qualquer coisas que espantasse aqueles dias de Janeiro. Exceto as tuas palavras.
Não sei bem o que aconteceu ao pensar no teu nome no terceiro nó. Mas cá está você, ao meu lado. E se quer se dá conta de que o que escrevo é sobre você. Se quer se dá conta de aquelas tuas palavras salvaram aquele Janeiro.

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Musa Híbrida


- Por que levantou tão cedo?
Lá estava você de camisola, parada na porta da cozinha com os olhinhos fechados tentando se proteger do sol que nascia e nos esquentava. Eu mal podia ver seus olhos que sob a luz do sol tinham cor de mel.
E la estava eu de pijamas, sentada no chão da varanda, com uma cerveja do lado e um cinzeiro do outro. Sentindo o sol na pele e respirando o ar fresco das serras.
- Minha sinusite atacou. Não quis te acordar.
- E beber cerveja e fumar a essa hora é o seu jeito de curar? Me dá isso pra cá, anda!
Não me mexi. Terminei o cigarro, saboreei a cerveja. A bem da verdade eu nem sabia por que resolvi fazer aquilo. Não consegui dormir nem um pouco. E havia outras garrafas de cerveja vazias que você encontraria depois. E ficaria mais brava ainda.
- O que ta acontecendo? Me fala. Suas olheiras te condenam.
Lá estava você, sentada ao meu lado. Falando e tirando o cigarro e a cerveja de perto de mim. Eu deixava você fazer tudo. Sempre deixei. E sempre me questionei se isso era realmente amar alguém.
Mas sabe, isso de saber se se ama alguém ou não varia muito. Porque sempre vai ser diferente. E com você todos os dias eram diferentes. Tudo o que eu queria. Mas ainda me faltava uma coisa, o essencial, que era você.
Mas ainda, além de tudo isso que construímos, havia o pertencer e não pertencer. Uma guerra - quase a nível mundial - dentro de mim entre falar que és minha e deixar-te livre com toda essa babaquice pós-modernista que às vezes defendo.
- Não é nada, tenho apenas que terminar aquele romance. A editora só deu mais um mês.
- Vai dar tudo certo. Não é assim que tu fala?
- Funciona apenas com os outros. Comigo, não.
- E o nosso "tudo"? Não está certo?
Eu odiava suas perguntas. Elas me jogavam contra a parede e sem rota alguma de fuga. Olhava para seus olhos, me vigiavam e buscavam o menor vestígio de alguma mentira. Algum vacilo, algum problema que eu quisesse esconder. Seus olhos eram capazes de ver tudo.
E os meus olhos eram capazes de olhar somente pra ti. Maldito (ou bendito?) dia que fostes sorrir para mim. E eu não fugi, até tentei, mas tentar era pior. Pois fiquei. Fiquei e finquei-me. Sempre ao teu redor, mendigando teu amor e nunca guerreando com teus outros amores. Eu não achava necessário. E nunca foi. Pois a por inimiga do nosso "tudo" era apenas eu mesma.
- Chega mais pertinho de mim, aí sim tudo vai dar certo.


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Wookie

Sabe aqueles domingos que eu fugia pra tua casa?
Passávamos o dia trancados no teu quarto, escutando músicas, comentando sobre a vida, sobre os porres, sobre nossas viagens, sobre nossos amores... E vez ou outra seu pai abria a porta para ver o que estávamos fazendo. E nunca era nada demais. Mas era engraçado. Ou o fato de estar bêbada na tua casa era engraçado.
Eu tirava os chinelos, me jogava na tua cama e pedia pra escutar Blind Pilot. Era sagrado escutarmos Blind Pilot na presença um do outro. Pelo menos uma música. Pelo menos um trechinho.
E la eu ficava, de pernas para o ar, aproveitando o friozinho do teu quarto, sentindo teu cheiro nas cobertas, deitando no teu colo a espera do carinho nos meus cachos que só tu sabia fazer. E os carinhos sempre vinham. E sempre na medida certa.
E o mundo estava bem ali, nos esperando. Mas estávamos na cama, esperando algo, esperando outras pessoas. Elas eram nosso fiozinho de esperança. E nós dois segurávamos esse fiozinho um pelo outro. Apenas pra continuarmos acreditando nas belezas da vida, no amor... O amor.
Esse amor que tanto nos faltava, ou que escolhíamos pessoas erradas, ou incrivelmente distante de nós. E lá estávamos os dois, abraçados. Um sustentando o outro. E por muitas vezes cheguei a pensar que você me sustentava mais.
E não estávamos mais no teu quarto e sim em alguma praça por aí. Acompanhados de vinho ou cerveja. Mas o principal éramos nós.
E pra mim, o principal era você, seus abraços, sua risada e seu choro.
Naquela madrugada, amanheceríamos o dia abraçados. Eu amanheceria o dia sussurrando no teu ouvido o quanto você significa pra mim.
E depois beberíamos nosso café vendo o sol nascer. Mais um dia. A diferença é que seria mais um dia contigo.

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