Archive for junho 2011

Cartas e Chardonnay

Fim de tarde.
É sempre fim de tarde quando resolvo escrever. Você sabe. Eu gosto do contraste que o pôr do sol causa em tudo. E aqui, nessa casa, incrivelmente bate um silêncio danado esse horário. Talvez seja o vazio que você deixou, junto com essa pilha de cartas e as canecas sujas de café.
Amanhã vou me mudar. Não posso te dizer pra onde, isso iria dar-me esperanças de você aparecer por lá. Mesmo eu sabendo que jamais voltaríamos a estar juntos novamente.
Então, daqui alguns dias faz um ano que você foi embora.
No dia que nos encontramos, foi o dia que você foi embora. Eu percebi isso no teu olhar. Percebi tua sombra gigante de desconfiança que sempre se perguntava porque ainda continuava ali comigo. Eu ouvia tua respiração toda noite, sempre cautelosa. Eu te via a observar-me quando achava que eu estava dormindo. Te via dando a volta na chave duas vezes sempre que ia tomar banho. Te ouvia orando no banheiro para que eu fosse embora. Mas nunca me perguntei os motivos. Eu só queria tua presença, teus abraços, teu riso, tua voz. Só queria tua presença comigo, mesmo que ali fosse apenas teu corpo. Mesmo que só conseguisse tua presença depois de algumas taças de Chardonnay.
Provavelmente no fundo eu saiba todos os motivos que te levaram a ser assim a partir do momento que passamos a andar juntos. Mas eu penso sempre em tanta coisa. Poderia até culpar-me por algo que te pertence. Por isso deixo de pensar. Ponho-me a ler nossas cartas.
O que dizer delas?
Eram vivas.
O que dizer de nós?
Nunca existiu.
Hoje vejo que é tão simples ver isso. Vou lendo e rasgando. Lendo e tentando sentir o que sentia ao escrevê-las, ao lê-las. Vou pegando-as da pilha e tentando sentir a mesma emoção que senti ao pegá-las na caixa do correio, ao achá-las dentro dos meus livros, nas gavetas de meias, no lugar do jantar, dentro dos meus sapatos, entre os lençóis, no bule de café, na porta da geladeira, no porta-luvas do carro da sua mãe, na minha carteira, no meu paletó. Vou lendo e não sentindo nada. Ao menos nada que me faça te desejar o bom e o certo. Ao menos nada que não machuque ninguém. Algo que só pertence a mim mesmo.
Mas fique tranquila, permaneço no 'nada'. Ele é saudável para nós dois. 'Nada'. Esta aí uma coisa que posso dizer ser nosso. O 'nada'. Não temos 'nada'. Nunca tivemos. Desejo-te nada. Um dia, talvez eu acredite em tudo que digo nesta carta. Um dia, talvez acredite em todo esse 'nada'.
Todos os móveis já devem estar chegando ao meu novo lar. Qualquer casebre que não me lembre nada de ti. Mas vai ser impossível. Conseguimos em um ano construir uma casa juntos. Uma casa fundamentada no 'nada'. E dessa casa você não levou nada. Você apenas se foi.
Eu sei que deveria ter mandado tudo o que era teu pelo correio, mas tudo que era teu nesta casa, também me pertencia. Como eu poderia enviar-te? Se quer deixastes um bilhete com seu novo endereço. Se quer deixastes algo escrito avisando que iria embora.
Não posso dizer que tudo foi de repente. Afinal, você foi embora desde o primeiro dia. Eu podia sentir e não podia fazer nada.
Eu menti. Não rasguei tuas cartas. Só as minhas. Elas soam muito falsas perto do que sinto hoje. E de poquinho em pouquinho vou me apagando de ti, rasgando minhas cartas, deletando meus recados, apagando minhas fotos. E no fim, só sobrarão cartas, cafés e um tênis velho onde você rabiscou: "We are just wasting our time, you know".

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"Toma, pra ti"

Eu lembro quando ela disse: "Quem ganha na loteria nunca vai ter isso".
Ela se referia a amizade.
Uma coisa sem esforço algum. Não nasce com a gente, não escolhemos, não planejamos, apenas acontece. Uma coisa que vem de graça e eu dava em dobro, em triplo para receber o dobro do triplo elevado ao quadrado multiplicado por mil. Eu dava o que podia, as vezes era um googolplex de coisas, às vezes era só um café. E sempre ocorria aquela vontade boba de rir por qualquer besteira. E as lágrimas saem tão fáceis, riem junto com a gente. Por tudo, por nada. A cumplicidade, o carinho e a compreensão que podem acontecer longe ou pertinho, uma do lado da outra, na esquina, na fronteira, no pôr do sol.
Às vezes vinha o momento sério, mas é só pra organizar um pouco a bagunça que nos rodeia. Pra fincar os pés no chão, sentir a areia, a grama, o vento, o mar.
E antes, eu pensava porque fui privada por tanto tempo sem ela. Mas daí lembrei que antes, não éramos o que somos agora. Nem uma de nós duas. Eu sei que não. Ela concorda. Hoje não penso mais no porquê da demora. Apenas aproveito o agora.
As coisas chegam no tempo certo. Eu sei. Não adianta fazer promessa, jejum, sacrifícios. Se for pra acontecer, vai acontecer. Planejar pra quê? "Quem ganha na loteria nunca vai ter isso".
É verdade. Nunca mesmo.
Por isso eu venho aqui, mostro-me cheia de erros, defeitos, chatices, birras, risos, piadas, bebidas, historinhas em guardanapos, livros, filmes, cafés... Venho e te mostro como sou em todos os momentos, em todos os tempos e te digo: "Vamos que podemos".
Então tento colocar tudo dentro de uma caixinha.
E te falo: "Toma, pra ti".

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Versos para D. Quixote

Juro que tento de todos os modos encontrar defeitos em ti.

E encontro-os. Nomeio-os, ponho em ordem do mais imperdoável ao aceitável.
Teu jeito bobo, ou melhor, você é totalmente sem-jeito.

Desengonçado, atrapalhado e quase te chamo de parvo.

Mas isso não seria justo.


Fico torcendo para achar cada vez mais erros em ti, porém,

Encontro os erros que gosto,

Encontro as falhas que eu entendo e que acolho.

Procuro sempre te evitar, deixar-te de lado, fazer pouco de ti.

Mas você estupidamente vem até mim,

Com todo o teu charme sulista,

Com toda tua educação batista,

Tua humildade característica de Dom Quixote.

20 mil quilômetros não são capazes de fazer você esquecer de mim,

Pois lá está, quando eu menos espero,

Uma mensagem tua pedindo ajuda,

Uma brincadeira boba sobre o tempo,

Uma gozação com o centernada do meu time.

Quando volto pra casa,

Encontro teu abraço na esquina do bar.

Teu sorriso abobalhado e teus óculos embaçados.

Surpresa boba e boa em uma noite de chuva,

Frio na barriga em ver que seis meses nos mudaram bastante.


Quando volto pra universidade,

Encontro tua companhia no café,

Nos livros, no desespero dos calouros.

Rimos e te xingo por dentro.

Por que teimas em ser o que quero?


Então te dou as costas, trabalho nos defeitos.

Te vejo sem barba.
E tudo isso para evitar gostar de ti.

Tudo isso pra não ultrapassar a linha tênue da amizade que resolvi traçar para nós.

Que resolvi impor para nós dois.
Mas porque insisto em seguir contra o que digo? Contra o que penso?

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Pra Sentir Calor

- A gente devia levantar
- Mas tá tão bom aqui, querida.
- Eu sei, mas eu gosto de ver a chuva.
- Eu gosto de ouvir, e sentir o cheiro. Contando que você continue aqui, presa nos meus braços. Por que queres o frio?
- Pra sentir calor?


Riram.


- Você tem razão. Vamos pra varanda. Mas não desgruda.

- Não vou fugir, meu bem.

- Nunca se sabe. - Ele levantou puxando-a contra si, enrolou o edredom e fez uma espécie de cabana para protegê-los.


Os dois levantam tombando, ao risos, enrolados no cobertor e seguiram de pijamas aos tropeços até a varanda. Beijos, carinhos, risos, beliscões, reclamações e mais risos. Sentaram-se encolhidos numa velha espreguiçadeira. Ele tinha acabado de chegar. Só fazia algumas horas que estavam juntos. Podia-se contar nos dedos os minutos que estiveram separados desde que se encontraram no saguão do aeroporto.


- Eu sabia que você fazia o tipo grudento.

- Sabia? Nem sou. Ou não disfarço bem?

- De modo algum. Até me enganou. Mas tua empolgação com a viagem era maior talvez até que o mundo.

- Não sei. Uma certa garota me disse que o melhor de tudo era o “agora”. Talvez ela estivesse com a razão.

- Que garota sábia.

- Pois é, mas era só isso que ela sabia mesmo. - Ele falou distraído, tentando disfarçar o ar de riso ao ver que ela olhava para o formato que as gotas de chuva adquiriam ao cair.


Tapas, beliscões, beijos. Voltaram para a cama. Rolaram, conversaram mais um pouco. Dormiram abraçados. Ele acordou algumas horas depois, todo atencioso, respirando o cheiro dela. Tocando todo o seu corpo. Sentindo seu coração. Era de verdade. Ela estava ali. E era só aquilo que ele queria.

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Pipoca

Fiquei pensando se deveria escrever sobre ti aqui. Mas depois vi que não havia impedimento algum.

Você lembra quando nos falamos pela primeira vez? Quando aquela amiga nos apresentou. Lembra? Eu vi na cara que você era louco por ela. Mas quem não era? Você era bem estranho. Na verdade, ainda continua. E seu sorriso cafajeste. Dele nunca me esqueço. É uma das coisas que gosto em ti.

Provavelmente as conversas mais estranhas que já tive foi com você. Provavelmente você foi a pessoa que mais fez perguntas incomuns a mim. Eu sentia que tu tinhas uma sede de querer me conhecer cada vez mais. O problema era que eu nunca respondia como devia. Inventava qualquer desculpa pra não estender a conversa contigo. Mas você sempre vinha até mim. E no fundo, eu gostava disso. No fundo eu gostava de saber que tu sempre iria vir até mim com as perguntas mais absurdas do mundo.

Vendo hoje, sinto por não ter aproveitado aqueles minutos contigo. Pelas partidas de WAR adiadas. Sim, adiadas. Espero em breve poder travá-las contigo, mesmo tendo que abdicar da Europa. Mas não se esqueça que eu vou cobrar um preço muito caro por isso. Você sabe o quanto eu gosto da Europa. E de café. Como eu e você adoramos café.

Choconhaque. Lembra? Outra promessa. Vamos ver se será tão bom quanto dividir café contigo. Não sei, sinto que não vai resultar em algo correto. Mas a curiosidade nos move, não é?

Sabe quando você está voltando pra casa e para no meio do caminho? Não por não querer voltar pra casa, mas por ter que por os pensamentos em ordem. E o meio do caminho é sempre o melhor lugar. Fiz isso hoje à noite, quando voltava da universidade comendo pipoca. Sim, pipoca. Aquela que sobrou da festinha de despedida do seu chefe. Pois é, ela estava meio passada, mas a fome é o melhor tempero pra qualquer comida, concorda?

Parar no meio do caminho me fez lembrar daquilo que aconteceu com a gente naquela tarde. Foi uma tarde única, boa, gostosa, tranquila, divertida... Sinto saudades dela. Será que aquilo nos aproximou mais? Ou será que só serviu pra mostrar que tu sempre esteve ali esperando eu perceber tua presença?

Ou talvez seja como falei: “É apenas uma brincadeira”. Você sabe, eu entrei no jogo, eu dei as regras do jogo, mas tenho medo. Tenho medo de me perder. Ou pior, escrever isto é para mim um atestado de que perdi. Deixei-me levar. Será isso? Responde-me. Mas eu sei que tu não vai me responder. Eu sei que tu vai vir com outra pergunta e aí vou acabar esquecendo do assunto.

Mas eu vou provar isso algum dia. Ando a procura de provas pra isso, sabe? A primeira que achei foi que não me chateio quando me chamas de “querida”. Eu gosto. Parece combinar contigo. Mas quando qualquer outra pessoa me chama por “querida”, eu logo penso que é algo falso. Mas quando vem de ti eu sorrio. Deixo passar e peço bis.

A segunda prova, bom, eu não sei ao certo. Talvez estar falando de ti, talvez lembrar sempre de ti ao beber café, ou comer pipoca, ou ao escutar Blind Pilot. Não, depois daquele dia eu nunca mais escutei Coldplay. Talvez por querer escutar apenas contigo. Não sei. É, eu não sei, ou talvez só não queira dizer.

Eu só vou escrevendo e de teimosa, te aviso logo: Isso não é uma carta de amor.

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Oviedo

(dica: leia este post escutando Oviedo do Blind Pilot. Adoro essa música.)

Uma janela com vista para uma rua de paralelepípedos, com lojinhas no térreo e apartamentos nos outros andares. Poucas pessoas na rua e um pôr-do-sol no fim da rua. Há tanta coisa pra fazer, pra pensar. Mas estar naquela janela apenas observando era algo que você gostava de fazer. Sempre que eu acordava você estava sentada na janela fumando seu cigarro e olhando para a rua como se nem estivesse ali.
Nunca me preocupei em saber o que você pensava durante aqueles minutos. Nunca pensei em te atrapalhar. Você era bela até mesmo com a maquiagem do dia anterior toda borrada pelo rosto e aquelas camisas velhas de times de futebol que nem ao menos nós conhecíamos.
Seu apartamento tinha poucos móveis. Uma cama, uma mesa e duas cadeiras, um sofá de três lugares, uma geladeira e um microondas. Você nunca desfazia as malas e quando eu menos esperava, você já tinha viajado para outra cidade.
Partia sem deixar nenhuma pista pra onde tinha ido. E quando sentia minha falta, bastava uma ligação sua e eu já fazia o impossível para não te deixar esperando. Com o tempo, aprendi a ver os sinais que você deixava para eu perceber que já se aproximava o dia em que partirias para teu próximo destino. Mas durante todos esses anos, nunca consegui te surpreender mostrando que sabia aonde seria sua próxima cidade. E durante todos esses anos, nunca me senti abandonado ou usado por ti. Pois tu me ligavas em todos os momentos, compartilhando tudo comigo.
Antes de te conhecer, o tempo era meu pior inimigo. Cobranças, trabalho, aprendizado. Tudo isso e muito mais era uma corda em meu pescoço que me arrastava de um lado para o outro.
Em nossos primeiros meses juntos, achava que você era o exemplo de como deveríamos ser. Mas depois vi que não, você era apenas mais um ser humano nessa terra. Dotada de todos os sentimentos possíveis, expressando-os ao seu modo. Não seria justo te colocar em um pilar e te idolatrar. Você me fez ver isso. E de modo silencioso e sem intenção alguma, passou a ensinar-me a ser cada vez mais eu.

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