Archive for abril 2011

Cotidiano

Acordo. Levanto da cama, piso no chão gelado com os pés descalços e sinto calafrios pela nuca. Caminho até a janela, abro um pouco a cortina, ainda está escuro lá fora. Novamente acordei antes do alarme soar. Desativei-o antes que fizesse qualquer barulho. Não fazia sentido algum escutar o despertador acordar minhas paredes.
Fui até a cozinha, duas garrafas de vinho vazias sobre a mesa junto com livros da universidade e um cinzeiro que precisava ser limpo. Resquícios do fim de semana. Deixaria a limpeza para depois. Ver uma casa arrumada pra mim significava que não morava ninguém ali.
Preparei um pouco de café e fui me distrair com um pouco de palavra cruzada. Talvez este seja o único hábito que herdei de minha mãe. Liguei o rádio, barulhos ritmados dispostos até a acordar a alma de Tolstoi soaram estridentemente. Desliguei o rádio em um susto. Meus ouvidos não precisavam daquilo àquela hora da manhã.
Findado o café, era hora de ver o que tinha pra colocar na mochila, ver se o celular estava carregado, se tinha moedas suficientes para a máquina de café, se ainda havia cigarros suficientes para a fuga de alguma conversa chata. Itens necessários para se sobreviver fora de casa por um dia.
Escolho um jeans, duas camisetas (uma eu uso, a outra fica na mochila), fico em duvida entre meias brancas ou pretas, no fim, escolho as pretas e por ultimo o allstar, único tipo de tênis que gosto de usar. Tomo banho, lavo e penteio o cabelo. Depois bagunço eles de novo. Nada de maquiagem. Estou pronta.
Coloco a mochila nas costas e mais um pouco de café na caneca térmica. Olho ao redor, faço uma nota mental para comprar algo para comer e beber, então lembro que é fim do mês. Sem salário, só trocados para o café e cigarros.
Aquelas eram as ultimas garrafas de vinho, bate o arrependimento de ter dividido elas com alguns amigos jornalistas. Vou pra rua. Meu trabalho fica a algumas quadras dali.
Cumprimento o porteiro e caminho até a sala de arquivos, a minha sala. Passo o dia lá, velando artigos antigos, respirando poeira e bebendo café. Cinco dias por semana, oito horas por dia, sem pausa para o almoço. Mas isso porque não faço questão de almoçar e também porque não tenho dinheiro. Sempre é isso. Nunca tenho dinheiro. Não sei o que faço dele além de sempre ter trocados para cigarros e café.
Três da tarde. Fim do expediente. Hora de ir pra universidade. Acendi um cigarro no caminho, ia escutando qualquer solo de violoncelo traindo minha paixão por violinos.
Caminhava sem prestar atenção em nada e ninguém. Meus amigos só iriam chegar quando a aula já tivesse começado. Acendi outro cigarro. Não estava com vontade de conversar com os amigos jornalistas, a lembrança das garrafas de vinho vazias sobre a mesa ainda perambulavam na minha cabeça. Acenei a eles e rumei a biblioteca. Se continuasse assim, em poucos dias eu seria uma traça fumante que adorava Bach e Fernando Pessoa.
Algumas horas e cigarros depois fico sabendo que não haverá aula. Universidade Federal é assim mesmo. Caminhei para o bloco dos jornalistas, eles iam ter aula. Convidaram-me a ir junto, aceitei. Não prestei atenção na aula. Fiquei esboçando o rosto do professor no caderno. Mas não por ele ser bonito ou feio. Tinha algo nele que conseguia prender minha atenção. Era assim que funcionava comigo, meus sentidos nunca trabalhavam juntos. E naquele momento, a audição tirara férias.
Oito da noite. Fim da aula. Os amigos jornalistas chamam pra beber uma cerveja e comer algum tira-gosto que por certo nos dará azia. Falei que era fim de mês, não dava pra mim. Eles insistiram, eu pagaria depois. Mas eu nunca pagava. Talvez devesse parar de fumar e jogar na lotérica.
Procuramos algum boteco qualquer, juntamos as mesas, tocava qualquer samba ao fundo e a conversa fluía desde Collor ao ultimo lançamento de esmalte que meus caros amigos usavam pra esconder a ferrugem do velho carango. O boteco começou a encher de operários, ao que parece, um deles havia ganho no Jogo do Bicho. Ganhamos duas rodadas na conta deles. Já não se podia conversar com a algazarra que se instalara ali. Hora de catar as moedas e ir pra casa.
Ganho carona, lucro de uma passagem de ônibus. Chego em casa, jogo tudo que estou carregando na mesa, tomo um banho gelado e me jogo na cama aproveitando o pouco de ebriedade da cerveja. Sei que daqui a algumas horas vou acordar antes do despertador mesmo.

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Duas Almas Velhas

Na ultima terça-feira, resolvi de ultima hora ir a um clube do livro lá para as bandas do São Francisco. Pela primeira vez fui sem saber qual era o livro que estava sendo discutido. Era apenas o desejo de estar entre desconhecidos que tinham uma paixão em comum.

Acabei tendo a surpresa de encontrar uma amiga relapsa perdida por lá. Findado os comentários do livro – cuja autoria é de André Vianco e é somente isso que lembro -, esta amiga convidou-me para tomar um café e de pronto aceitei.

Eu e ela. Duas almas velhas. Era assim que gostávamos de nos rotular.

Desfrutamos nosso café amargo. Nos atualizamos sobre os últimos acontecimentos perante a ausência uma da outra. Sua sinceridade rasgada no peito, sem nunca motivar ou criticar algo de minha vida. E sempre perguntando porque não havia feito pior. Isso me agradava nela e me alegrava saber que ainda continuava assim.

Fui fraca, minutos depois joguei a bandeira do sentimentalismo dizendo que sentia sua falta. Ela riu de mim. Disse que eu não aparentava sentir sua falta, pois nunca ia visitá-la.

Fiquei em silêncio. Ela tinha razão. E para não brigar, eu ficava sempre em silêncio.

Ela deu um tapinha em minha mão e perguntou porque parei de atualizar o blog com contos e crônicas. Falei-lhe que estava em crise de criatividade. Ela riu novamente. E então fui franca: Eu estava evitando escrever porque havia um texto que eu não queria passar para o papel. Pois em minha cabeça, se escrevo o que penso, torno mais real ainda aquele pensamento.

Enquanto falava, ela ia abrindo folhas de guardanapo sobre a mesa e quando terminei ela ordenou:

Escreva o que está martelando sua cabeça. Isso não te permite escrever novos contos e muito menos ter uma conversa sensata contigo. Consigo sentir tua aflição gritando a dez metros daqui. E se queres ouvir de um modo mais romântico, teus olhos são para mim um poço de tristeza e teu sorriso soa mais verdadeiro quando estais ébria. Porque bem sabes que quando ébrias, temos a sorte de não lembrar de nada. Agora pois escreve esse maldito texto que te trava a cabeça e a língua! Eras-te!

Obedientemente escrevi o texto, sentindo a alma pesar a cada linha escrita, os olhos marejados, a boca apertada. Todos os sentidos lutando para manter o texto a salvo dentro de mim. Mas já não era possível. Lá estava ele diante de mim, mostrando-me com altivez que existia por vontade própria e que era uma verdade que eu não mais podia esconder.

Chorei em silêncio como da vez em que atravessava a imperceptível ponte do Córrego dos Corvos. Fora ali que o pensamento tomara forma e lá estava eu novamente em Mogi das Cruzes chorando, vendo as águas correrem despreocupadamente carregando restos de lixo aqui e ali.

Saí do barzinho, ter escrito o pensamento não tinha feito nenhum bem até o momento. Mas talvez eu estivesse apenas procurando um motivo para poder chorar por ele.

E da mesa do bar eu escutava o papel a falar: “Ignorada por quem julgavas ser a melhor amiga e ainda assim não se esforçou o bastante para saber os motivos.”

E a frase se repetia, se repetia, se repetia, se repetia...

Dessa vez não houve comentários por não ter feito pior. Ela me deu um abraço e uma garrafa de vinho vagabundo que comprara no barzinho. Nem fiz questão de perguntar o que ela fizera com os papéis rabiscados. Abrimos o vinho, ela chamou-me de estúpida chorona e fomos andando a procura de um ponto de ônibus mais próximo.




Dedico esse texto a(o) leitor(a) anônimo(a) do facebook mobile, a(o) leitor(a) do twitter mobile e a minha stalker. Há duas semanas que vocês alegram minha vida visitando meu blog todos os dias!


E agradeço imensamente pelo vinho, Penélope.

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Tropeço de Poema


Agora está mais claro que nunca
Que ser direta é ser torta.
E ser torta é ser normal.

Não adianta facilitar com as palavras
Elas nunca falarão a eles o que quero.
Mas como meninas teimosas
Vão contar do avesso,
A torto e a direito,
Tudo na base do exagero.

É assim. É assim.
Brincar com elas é um perigo.
Mas pior mesmo é o silêncio,
menino danado, faz mimíca
Deixa todo mundo curioso
Pensando besteiras feito bobos.

E me ferrando ou não
Com suas piores travessuras,
Elas, palavras amigas...
Meninas danadas,
Alimentam-me a alma.
Fazem-me feliz.
Elas fazem-me feliz.

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