Archive for janeiro 2011

Teimosia

"Nós nunca nos realizamos"
Livro do Desassossego - Bernado Soares
(Fernando Pessoa)

Gosto dessa frase. De algum modo, ela mexe comigo. Várias vezes tentei dar um significado positivo a ela, pois é isso que a mim parece. Mas nenhum dos meus ouvintes quis aceitar. Talvez eu tenha formulado mal minha justificativa. Ou talvez eu ainda não tenha aceito que ela não tem um lado positivo.
Mas se fosse isso, o que diria de mim Bernado Soares?

Dizem que ela é depressiva. É unânime.
Dizem que sou depressiva. É unânime.

Eu digo que sou depressiva as vezes.
Mas ainda assim continuo gostando da frase.
Sou teimosa.
Mas talvez essa não seja a palavra.

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Stardust

Hoje fui ao médico. Tenho que levar uns exames para o trabalho.
Enquanto esperava ser atendida, tive a sensação de que não me restava muito tempo de vida. Não apenas por estar em um lugar onde muitas vezes a vida começa e termina. Talvez por ter visto um senhor passar na minha frente tomando soro em uma cadeira de rodas com os olhos baixos. Olhos opacos. Vazios de vida. Ainda assim não descobri o significado dessa sensação. E essa não era a primeira vez que acontecia.
A sensação de pouco tempo vinha rápido. Como uma lufada de vento quente. Você sente na pele, não consegue respirar e na maioria das vezes fede.
O fedor a que me refiro são as piores lembranças possíveis. Lembranças que me pertencem, lembranças que não faço ideia de onde vieram...
Elas chegam rápido, dão um rodopio na minha cabeça e então as espanto com minha mão livre.
"Agora não". Digo a elas. É assim que sempre espanto meus medos.
Ocupo minha mente olhando a rachadura coberta com uma tinta de tom mais claro que o resto da parede. Escuto o barulho do ar-condicionado e observo também pequenos vestígios de poeira saindo dele.
O contraste com a luz do sol gera um balé de pequeninos grãos de poeira. Então me lembro que somos feitos de poeira. Lama talvez. Mas no fim, não passamos de poeira de estrelas.

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Dores, sabores, amores

Sou feita de saudade e vivo de dramas.
Até aqueles que não me pertencem.

Sou uma mistura de lealdade e desconfiança de um modo até aterrador.

Contrariar é uma arte.
Raras às vezes consigo ser objetiva.
E ainda assim odeio prolixidade.

Sou um mosaico de sentimentos.

Dores, sabores, amores.

Tentar entender-me chega a ser um tormento.
Melhor é ir vivendo e vendo.

Porque estar ao meu lado não é garantia de companhia.
Sempre estarei aonde nunca vou estar.
Sempre vou fingir que estarei a sonhar.
Não sou ciclo, e nem gosto disso.


Não estou perdida, mas sinto que estou me perdendo pra algo, nunca pra alguém... Ou por alguém.
E sempre, sempre posso duvidar de algo.

Porque exatidão é um padrão que não me convém.

Dores, sabores, amores - Ágda Santos

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No Cais

Sentei na grama molhada enrolada em um cobertor com cheirinho da minha mãe. Aquele era um momento só meu e o cobertor surrado era meu único companheiro naquelas horas.
Nas ultimas semanas passei a sonhar com uma mulher que me parecia muito familiar. Cabelos negros, alta, um olhar negro penetrante e ao mesmo tempo doce. Sentávamos a beira de um cais e ficávamos olhando o fundo do rio, ou talvez fosse um lago. A água era limpa, calma e me permitia ficar vendo o movimento das nuvens. Mas não era capaz de ver o fundo e também não conseguia ver meu próprio reflexo. Era nesse momento em que olhava pra ela em busca de uma explicação:
"
Por que nosso reflexo não aparece na água?"
E então eu acordava.
A cada noite o sonho aumentava mais um pouco, ou talvez o fato do sonho repetir todas as noites me fizesse crer que havia um novo detalhe.
Ainda iria demorar para amanhecer. Eu corria um sério risco de pegar um resfriado ali fora. Mas enquanto a cidade dormisse, enquanto a maioria das luzes estivessem apagadas e o sol iluminasse o outro lado do mundo, eu poderia observar o balé das estrelas. Poderia fazer inúmeros desejos a elas e me sentir dona do mundo. Um mundo onde as estrelas dançavam pra mim, os ventos cantavam melodias lindas com as árvores e a terra me oferecia seu perfume mais nobre.
Enrolei-me mais no cobertor já surrado pelo tempo. Pensei em minha mãe dormindo o sono cansado dos responsáveis por vidas alheias. Pensei em meus irmãos dormindo cansados das traquinações de férias. Pensei nos meus avós dormindo esperando acordarem bem dispostos, ou simplesmente não acordar, pois já estavam fartos de tanta vida. Pensei no Thor, alguem que eu queria que fosse mais que um amigo de bar ou de cinema. Será que ele estava dormindo? A ultima vez que o vi foi há sete meses.
Mas a verdade é que eu sempre acreditei nos meus sonhos e aqueles das ultimas semanas com certeza queria dizer algo. E quando eu sentia isso, tinha a tendência de fugir. De evitar descobrir a verdade. Mas isso era algo provisório. No final, não importa quanto tempo passasse, eu acabaria descobrindo o significado. Resolvi voltar pra cama. E eu ia repetindo meu mantra de "
era apenas um sonho" até me deitar. Talvez a repetição do sonho não quisesse dizer nada. Talvez meu canal de sonhos estivesse travado, ou fazendo um backup. Minhas desculpas eram bem variadas e nenhuma satisfazia. Era apenas um jogo de inventar desculpas e oculpar a mente com algo.
Demorei a dormir. Não achava uma posição confortável na cama e os costumeiros espirros ainda não tinham cessado. Levantei, bebi água e voltei pra cama. Preferi nem olhar para o relógio. Já estava cansada da luta entre meu corpo cansado e minha mente.
Não venha pensar que nessa noite conseguir ter minha resposta. A bem da verdade, não é apenas uma resposta. A vida seria tão curta se tivessemos que responder apenas uma questão. Já se passaram vinte anos e vez ou outra sonho com ela. Sempre num monológo de alguma parte. Sempre trazendo novos e velhos questionamentos à tona.
Ela nunca respondeu diretamente sobre nossos reflexos, mas em certo sonho, quando virei para olhar o horizonte, tive a impressão de que ela tinha asas longas e brancas. Depois pensei ter sido apenas seu vestido balançando. Seria besteira minha acreditar que ela era um anjo e que nós duas estavámos no céu? Mas qual seria o problema se durante as madrugadas eu era rainha do mundo? Ela riu ao perceber o que tinha se passado pela minha cabeça.
E lá estavámos nós. Eu, ela, o cais, o lago, as nuvens, vez ou outra um vento com cheiro de terra molhada, a ausência de qualquer pensamento e o silêncio.
Eu adorava ficar ali, sem pensar em nada até me dar conta de que estava novamente no cais e os velhos questionamentos sentarem ao meu lado trazendo consigo novos.
E então eu acordava lembrando apenas do cais e da paz de estar lá.

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