Archive for janeiro 2015

Désespoir agréable

A vida inteira estive acostumada a resolver ou tentar amenizar minhas inquietações sozinhas. Digo inquietações que é pra vida não parecer tão problemática do que ela já é. Desde pequenas coisas, como por exemplo, o despertador. Nunca aprendi a lidar com ele. Acabava dormindo tensa por não querer acordar com aquele barulho aterrorizante. E é verdade quando digo que toda vez acordo antes do despertador. As raras exceções envolvem quando durmo com outra pessoa. Parece que deixo a responsabilidade pra ela de lidar com o despertador.
Poucas vezes esse contrato deu certo. Alguns dias. Nos restantes me batia um aborrecimento. Quando inventaram a porcaria da sonequinha de 5 minutos foi a minha morte. Você dorme e aí de repente vem o barulho. Daí você dorme e novamente o barulho. Não dá pra acordar de bom humor assim. 
Hoje achei aquele guardanapo que rabiscamos no bar. As tais combinações, pois dizer limites não te agradava. "Não há limites, Fernão". Sei que no meio das combinações tinha algo sobre proibir despertadores.
A primeira delas: nada de declarações. 
Era a que mais me afetava. Logo eu, acostumada a mimar em todos os modos. Só me era permitido tua pele. Ali eu poderia me declarar o quanto quisesse. Tu preferias sentir do que ouvir, do que ler.
Essa era a combinação máxima: sentir sempre.
E a gente sente tanto que chega a doer. Você encontrou um meio de entrar na minha vida tão sutilmente que já nem percebo mais quando estás passeando pelos corredores mais escuros de minha mente. A música é a chave. Sempre foi. É através dela que vou te conhecendo. Não é clara feito água, mas ajuda. Deixei o vinil do Erik Satie tocando, o mesmo que toca naquele conto do Caio Fernando Abreu que você leu pra mim. Não lembro o nome agora. Só lembro que me apaixonei mais quando você colocou esse piano suave ao fundo, acendeu o cigarro e começou a ler Caio no meio daquela tarde quente. 
É um daqueles momentos em que a gente se desliga do mundo e apenas escuta. O piano, sua voz, as palavras de Caio. Virou um mal costume que não conseguimos desfazer. Ler, fumar, música, nós. Estamos doentes e não somos nossa cura. E nem de longe queremos cura. A intensidade de sentir é o que move. E a gente se move bem devagar, tentando não levantar poeira, não chamar atenção. Mantendo as inquietações no peito e criando muitas outras. 

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Fatal


A tempestade chegou. Uma porrada de informação por todos os lados. Uma urgência em absorver tudo o que falas. 
És fatal. Também sei ser. 
Mas meu bem, a sinceridade que tenho contigo não é para assustar. Não é para afastar.
Começamos com um prazo de validade não determinado. Oficialmente não começamos nada. E ainda assim há muita urgência a todo momento que estamos juntas. Somos o pecado do mundo. Desse pequeno mundo até então desconhecido por nós. Se te falo de meus amores que já se foram não é para espantar. Aqui não há limites, podes chegar.
O encantamento não veio atrasado. Ele foi velado desde as primeiras palavras rimadas que me destes nas madrugadas ébrias e sóbrias também. Guardei este encantamento mal guardado. E se não falei foi por medo de perder essa sensação de urgência que sinto em te ter. Deixei pontas soltas pra te mostrar e te lembrar que não foi obra do acaso eu te procurar. Sendo esse tempo tempestade, se um dia ela acabar espero que não estejas tão longe.
Afinal, a gente não pode roubar o que já possui.

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A Gata em Prosa


Saber o peso das palavras incomoda. Saber que tu tens a mesma noção pesa mais ainda. De tudo que foi dito ou de tudo que ficou preso no olhar. Sério, sem rugas de riso ou choro. Fixo. Com respirações profundas e lamentações silenciosas acerca da distância que sempre castiga.
Atiramos flechas ao horizonte e cruzamos os dedos para que algumas tenham caído no mesmo lugar. Quem sabe um dia a gente termine o café em silêncio e sem correria. Só é difícil prever se algum dia irei parar de dizer teu nome completo sem algum resquício de fascínio, se irei parar de olhar pra tua boca sem desejar beijar e sussurrar versos que não me pertencem.
A gente tenta fugir dos clichês mas eles são tão inevitáveis quanto usar surreal numa frase. Ou tão inevitável quanto pitu e limão no fim do mês.
É muito difícil esconder nessas palavras o encanto que tenho por ti. Esse encanto que só o álcool liberta naquelas noites mais loucas. E a gente se esconde, engole álcool e palavras que é pra não machucar mais do que já nos machucamos nessa vida toda sem qualquer culpa acumulada. Faz da noite o único domínio onde tudo é permitido e ao sol nascer não tem café amargo que desenrole conversa sobre as marcas que você deixou pelo meu corpo ou frases que deixei rabiscadas nas tuas costas.
Engasgo, dou um abraço com aquele tapinha ridículo nas costas e vou embora sem olhar pra trás. Soco bem fundo da alma qualquer vontade de puxar conversa contigo. Encarno qualquer cretina e sigo caminhando com o copo cheio de vinho suave numa tentativa infantil de te provocar. Sei que não engano nem meu próprio reflexo e aqui as palavras não tem peso algum pois estou afogada.

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