Archive for fevereiro 2012

Polaroid de 1970

Eu tenho um medo imenso em soltar qualquer frase que signifique algo eterno ou pelo menos até o fim de minha vida. Tenho medo até de simplesmente reconhecer que gosto de alguém, de pronunciar isso a ela, de criar uma esperança. O medo talvez caiba somente em destruir tudo isso depois. Tenho medo de gostar por saber que vou perder. Passo a gostar como se ja tivesse perdido. E talvez isso explique toda a intensidade dos últimos anos.
Essa talvez seja a verdade. Eu tenho medo de destruir aquilo que declarei outrora. O amor a alguem, o gosto por certa música, certo livro e certas pessoas. Então, talvez por esse medo, fico calada (às vezes nem sempre). E é tão complicado viver assim.
E tentando ver como qualquer pessoa de fora, eu diria que não me permito mudar.
Mas eu mudo. Pro lado bom ou ruim. Para os dois lados. E a cada mudança algo fica pra trás. E tantas coisas ja ficaram para trás na minha vida. Eu ja fiquei para trás em tantas vidas também.
E em algum cruzamento de memória, nos encontramos como em uma Polaroid de 1970. Em sépia, preto e branco ou amarelados. Aquela legenda engraçada no verso lembrando que foi bom e aqui entra o "enquanto durou". Os velhos sorrisos amarelos, os cumprimentos desajeitados, as perguntas básicas e a pressa em se livrar logo de todo o constrangimento que nós mesmos criamos.
Eu realmente desejaria que tudo naquele verão tivesse acontecido diferente. Que eu tivesse ao menos sido sincera e que você tivesse sido compreensiva. Mas eu destruí as frases que foram ditas em 2008 e repetidas tantas vezes. Confesso que tentei jogar alguma culpa em você, sentir raiva, esquecer e seguir adiante. Mas as nossas polaroids de 1970 foram muitas. É bem difícil disfarçar. Não senti raiva, ódio ou qualquer coisa ruim. Muito menos esqueci. Fiquei triste por ver que havia perdido e sem coragem alguma para ao menos tentar recuperar.
Ainda não aprendi a pedir desculpas. Talvez eu só aprenda quando passar a me perdoar primeiro. E se um dia eu aprender, eu te pediria desculpas por aquele verão. Acredito que depois disso passaria a ver já com certa saudade e não com certo incômodo a nossa polaroid na Casa das Flores (ou seria Casa das Rosas?), onde estamos sorrindo para a câmera, o vento bagunçando nossos cabelos, as rosas atrás de nós e a legenda atrás dizendo: "Por você, eu faria isso mil vezes."

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Café, cigarros e estrelas

O tempo podia passar, mas o encantamento era o mesmo desde o primeiro dia que nos vimos. Naquela sala de aula da universidade, com cadeiras duras, que maltratavam nossas costas durante as quatro horas de aulas que tínhamos todas as noites entre aquelas paredes amareladas com o tempo e as janelas de vidro colorido. A barba nunca feita, o sorriso de garoto, a voz de homem, o aperto de mão de menino e as convicções de um velho de setenta anos.
Todos da sala apostavam em nós. Mas eu sou um alvo errante, ou um míssil errante. A gente nunca estaria junto como a turma imaginava.
Passávamos praticamente o dia conversando. Exceto pelas manhãs. Você tinha a sorte de poder dormir de manhã. Eu não, tinha que trabalhar. A tarde já nos encontrávamos na universidade, você com seu café, eu com meus cigarros que te aborreciam. E toda a turma feliz por estarmos juntos conversando. Mal sabiam eles que estávamos discutindo alguma teoria, ou falando de música, de nossas viagens... No fundo, éramos dois velhos conversando.
Na sala de aula, cada um de um lado da sala. Era nossa Guerra Fria. Eu a comunista de boutique, você o capitalista disfarçado. Até que as aulas eram animadas quando você estava presente. Eu tinha alguem a minha altura para rebater minhas bobagens acadêmicas. Mas você raramente rebatia. Ao menos não em sala de aula. Parecia aguardar sempre as madrugadas. Preparava o café, as cadeiras na varanda, o cinzeiro pra mim, os livros para comprovar. Preparava o campo de guerra.
Era uma batalha perdida pra mim. Mas ainda assim eu sacrificava algumas horas de sono, feito mãe zelosa a cuidar do filho doente. Atravessava algumas ruas, entrava pela garagem, pisava na grama macia ja molhada pelo orvalho da madrugada. Sentava na minha cadeira, acendia o cigarro e esperava você vir com o café. As noites daquele verão ajudavam. As estrelas nos assistiam. Conversas amenas, debates ferozes, silêncios confortáveis.
Aquelas horas a menos de sono ficaram marcadas nas minhas olheiras.
Agora você tem outra pessoa. Ja não senta mais na varanda, ja não tem mais horário desregulado de sono, já não bebe tanto café, fez a barba, usa sapatos social, o sorriso mudou, os ombros estão caídos, os olhos abatidos e o aperto de mão é desconfiado.
Hoje minhas madrugadas continuam as mesmas: café, cigarros e estrelas. As vezes tenho sorte de encontrar alguem pra conversar, mas ninguém consegue ser tão rabugento quanto você.

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Verão Chuvoso

Os costumes abaixo da Linha do Equador são bem diferentes. Os costumes de quem vive acima também. Mas isso é apenas uma questão geográfica. Afinal, os costumes de quem vive próximo a Linha do Equador, tanto em cima quanto embaixo, são diferentes.
Eu vivo acima e bem próximo a Linha do Equador. Já consegui a façanha de estar em dois lugares ao mesmo tempo. E acostumei com a definição de Amazônia Caribenha.
O clássico - e desconhecido ou esquecido pelo resto do mundo - exemplo são nossos invernos e verões. As únicas estações definidas por aqui. Invernos secos e verões chuvosos. Aprendemos isso na escola e na prática. Com o tempo se acostuma. Chuvas longas também não existem por aqui. São rápidas e muito fortes. Derrubam árvores, arrancam telhados e se o clima estiver muito bagunçado, causa até inundações.
Na teoria, você é meu verão chuvoso. Sei que gosta de se denominar inverno, mas o inverno que conheço é diferente do seu.
Sempre vivemos na teoria. E de certo modo ela foi bonita, gerou lágrimas, risos e alguns arranhões. Certa vez, até um quase atropelamento. Na teoria, você sendo o meu verão chuvoso, inspirou muitos textos como este, inspirou muitos sonhos, suspiros... Ah, aqueles tempos. Mas até nas teorias algo dá errado. Eu, claro, estava errada. E essa talvez seja a milésima vez que falo isso.
E então vieram os trovões. E os raios sempre caiam no mesmo lugar.
Nunca tive deuses pra clamar misericórdia, pedir proteção. Então recorria aos amigos. Diversas opiniões. E o verão chegava. O céu nublado, ventos fortes. Tudo envolvendo-me.

Tu envolvendo-me.

A cumplicidade excessiva destroçando a teoria. O verão chuvoso destruindo meu telhado. Misturando a chuva com tuas lágrimas, com as minhas. No final era tudo água.
Ainda há uma certa relutância, uma certa dor em partir para o sul. Pra bem longe do Equador. Desse verão que me aquece, que me molha, que me inunda de amor. Há uma certa dor...

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