Archive for abril 2015

Sol Negro [1965]


A gente já se abraçou muitas vezes, fumou cigarro juntas, dividimos comida, você dividiu seu teto comigo e mais alguns abraços tortos porque naquele tempo a gente nem sabia se amar. Os anos vão passando e nós duas vamos crescendo, absorvendo e sendo absorvidas. Caminhando contra o vento e por caminhos diferentes, sem saber ao certo onde vai dar. A única garantia é que em alguma curva a gente se encontra e a conversa flui sem qualquer amargura.
Mês passado eu estava escrevendo sobre os 50 anos de carreira da Gal, não sei se tu lestes. Bom, buscando fotos no acervo da Gal, achei essa dela com Bethânia. É lindo ver essas duas. Toda uma vida, toda uma amizade. Cheia de encontros e desencontros, como elas mesmas dizem. Vi essa foto e percebi que nós duas não temos uma foto juntas. Mas não fiquei triste. Só bateu mais saudade. Um dia a gente registra.
A letra de Sol Negro é simples e pesada. Foi a primeira música que Bethânia e Gal gravaram juntas. Escolhi mais pela união da voz dessas duas que nós amamos. Podia colocar mais coisas que temos em comum aqui. De Chico Buarque a Clarice Lispector. Ou lembrar das suas almofadas de cones, das ligações que duravam horas até o sinal cair, de quando nos vimos pela primeira vez ao lado de uma estação de trem que se falasse teria muitas histórias pra contar.
Escrevo aqui sendo muito egoísta. Onde meu maior desejo é estar contigo, beber uma cerveja gelada e te declamar poemas como presente de aniversário. Fico devendo, mais uma vez. E em termos de despedida te peço que não esqueças, minha irmã, do carinho grande que tenho e que sempre te desejo saúde, luz, felicidade. E axé, minha nêga. Muito axé.

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Leve [1996]


Não lembro muito bem como cheguei a esse assunto mas quando falam que hoje é último dia de minha vida eu simplesmente vivo. Sem exageros ou paranoias. Em parte por não acreditar, em parte por ficar totalmente sem uma reação. A vida segue e você é um grão de areia (ou menos que isso) no universo.
A rua de casa vai ser a mesma rua, o bairro ou o churrasquinho da esquina. Aquela foto da Via Láctea com uma seta e a frase "você está aqui" em algum daqueles pontos brilhantes reflete bem isso.
Penso muito sobre as caminhadas. Não essas em prol de saúde. Pois saúde é a última coisa que busco. É muito mais fácil se destruir. Longas caminhadas.
Aquelas caminhadas pra economizar o dinheiro do ônibus, ou quando a possibilidade de caminhar pelo velho trilho de trem que corta aquele riacho faz todo o caminho ser mais interessante que qualquer conversa.
Caminhar até o túmulo de meu tio sempre que o coração aperta. Caminhar até o rio Branco quando preciso lembrar que a vida segue e que um dia preciso aprender a me perdoar. Um dia.
Caminhar sem preparo algum, com uma garrafa de tequila pela metade e o sol se pondo em nossas costas. Caminhar e empurrar a bicicleta junto de quem amamos. Fazer isso mil vezes. Caminhar todos os fins de semana até sua casa, fazer o caminho de coração aberto e confesso que às vezes a mente cheia demais. Caminhar pela trilha em Alto Alegre procurando aquele igarapé profundo onde nós duas íamos apenas molhar os pés por justamente não saber nadar. Nenhuma de nós duas.
Ir andando só pra almoçar junto. Ir andando porque o carro quebrou. Empurrar o carro que estava no prego. Andar de carro na velocidade de uma caminhada por causa de problemas técnicos. Te carregar nos meus ombros depois de uma tarde na escola. Apostar corrida pra ver quem abraça a mamãe primeiro.
Subir aquela serra com você. Subir a ladeira e ver o sol nascer ao chegar no topo, ao chegar na sua casa. Caminhar bêbada. Caminhar bêbada se apoiando ou sendo apoio.
Os primeiros passos.
Penso muito sobre caminhadas. A possibilidade de ir e voltar. A possibilidade de mais de um caminho. E mesmo sendo o mesmo caminho, cada caminhada será diferente. O sol, o céu, a terra e eu. Tudo muda aos pouquinhos. Num piscar de olhos ou em uma rotação completa.

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