Archive for março 2015

Terminal Alvorada


A vida segue um outro ritmo quando a gente se desliga de todas as cobranças acadêmicas. Mais uma vez paro no caminho para ver se é isso mesmo que quero, se é essa correria e competição sem fim. Se é essa busca por uma excelência que não passa de mediocridade repassada de geração em geração. Essa estabilidade que fica só no papel. Não existe estabilidade na cabeça, na alma (e por mais que eu negue, vivo procurando essa estabilidade). Mas o que importa é a casa, o carro, as viagens pra Europa, aquele monte de livro empoeirado dando um status de intelectual que só fuma maconha quando vai pra chácara nos feriados. Sinceramente já sonhei isso e hoje só me dá vontade de rir de tudo.
"O mercado é exigente, você tem que ter ensino superior, deixa de ser louca e termina logo isso."
Mas não é assim que a banda toca. Eu mandei a banda parar de tocar pra afinar os instrumentos.
Desde que entrei pra universidade bato o pé e levo tiro no peito por reclamar de temas batidos de monografia, dos artigos ridículos e copiados onde só se muda o título, dos debates que nunca foram debates, do comodismo dos alunos e dos professores, da falta de interesse em realmente ajudar a comunidade. Bato o pé e levo o tiro no peito por defender o que acredito e o que acho ser melhor, o que penso que pode ajudar a melhorar o ensino. Mas cansa, gente. Cansa e a gente fica doente. Cansa mais ainda quando a gente vai ficando sem apoio e foi assim que fiquei. O conselho que recebi foi de fazer qualquer coisa pra terminar logo. Bem assim. "A academia só quer saber se você sabe pesquisar, o tema do TCC não vai ser a pesquisa da sua vida". Olha, eu sei que não vai ser meu melhor trabalho, mas como querer continuar na pesquisa quando a única coisa que interessa é saber se você sabe seguir as regras da ABNT? Confesso que tentei aceitar isso de fazer qualquer coisa, mudar linha de pesquisa, esquecer senso crítico, repetir teoria que a meu ver já está derrubada faz tempo. Mas não deu. Não consigo ser como os 99% de alunos de Letras que a universidade forma todo ano sem senso crítico, que pagam para outras pessoas escreverem seus TCCs, artigos e que só querem o ensino superior pro próximo concurso do governo. Desculpa, mas não consigo. E foi uma coisa atrás da outra que cheguei a pensar que esse ano tá me obrigando a parar, pegar leve, repensar, escolher outros caminhos.
Dou aquela espreguiçada na rede, olho o céu azul, com nuvens aqui e ali. Olho pro Mia que anoitece comigo todos os dias. E a pesquisa? Pois é, taí.
Desconstruí a Literatura de um modo que ainda não consegui juntar as peças novamente. No começo deu uma agonia, fiquei sem saber o que fazer, o que falar. Escrevi um email gigante pra minha eterna orientadora e ela calmamente falou pra eu seguir meu tempo. Que eu iria me reorganizar e tudo iria se ajeitar. Ela passando por um momento difícil e ainda arranjou tempo para me fazer parar de correr sem rumo. Maravilhosa, dona C. Maravilhosa.
Estou tentando devagar essa reorganização. Depois da tempestade vem a calmaria, não é mesmo? Uns sonhos vão, outros logo chegam e tomam lugar. A vida segue sem alarde. O balanço da rede tentando acompanhar o compasso das nuvens, o meu respirar também.
A Literatura volta a ser um prazer e a Língua volta com toda sua ambiguidade de sabedoria e responsável pelos melhores prazeres terrenos.

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Teu capricho, meu despacho

Em toda essa tua ausência na mesa de bar
onde só a tristeza e saudade ocupam lugar,
Fiquei pensando em nossa prosa.
O tempo passava, a cerveja esquentava
e eu cada vez mais fria.
Mas tal frieza não me impede te de aconselhar:
 Deixa de ser frouxo e ama, rapaz!

Isso de amar pouquinho não rende.
Tu vê capricho onde eu só vejo despacho.
Essa dança de desencontros me dá agonia.
Onde já se viu amar assim, diacho?!
Eu um dia quis amar de pouquinho,
com medo de sujar os sapatos,
rasgar meu peito, doar coração.

Eis que certa amiga me disse:
— Ama como quem bebe vinho,
grandes goles pra refrescar,
a tontura envolvente, as palavras bobas,
roupas pelo chão.
No dia seguinte vem a ressaca
e a conta no balcão.




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Definição

Eu, toda prosa, li por aí
que tu queria ser poesia.
Ser correspondida em linhas rimadas.
A prosa corrida já não te contentava.
Com um sorriso de canto,
falei: — essa tá na minha lábia.

Mas não foi fácil como pensei.
Ismália louca mergulhou no mar
E eu não sabia nadar.
De longe observava
Seus estranhos casos,
rolos que eu torcia pelo azar.

Mas tenho meus truques:
Ofereci-me a te ensinar a voar.
Um risco alto, eu bem sei.
Porém cansei de enrolação.
Afinal, fostes bem clara:
"me pega de jeito ou larga logo a mão".


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Resposta Seca

Demorei a responder teu poema meloso
por medo de soltar palavras duras.
Tu fostes guiado por Neruda
Que em tão fervoroso amor
Acabou por enfim entregar-se sem pudor.

Amigo, palavras dóceis não te darei.
E nem dela deves esperar.
Sei que julgo e jogo alto
Mas dela nenhuma canção irá vingar.

Ela mesma se condena e só ela pode se salvar.
Tu escolhestes o mar de rosa
Onde só vais se espinhar.
Desgostosa eu acompanho
Esse jeito estranho que vocês tem de se amar.

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Hermosa


Te observo tentando absorver os mínimos detalhes, os pequeno traços, as pintinhas, os sinais de que há algum desejo ali por mim. Se teu suor, se tua saliva estão tão impregnados em mim quanto eu estou de desejo por ti. Será se essas palavras conseguem eternizar? Eu digo que não, que é pra gente viver mais. Igual a Mallu canta pro moreno dela. Mas é aquilo, meu amor. Vou bem devagar, vou sem cobrar. Gosto assim. Desse ritmo de botequim onde tu só me diz sim.
Vou te dando asas e assim tu sem perceber vai criando uma casa em meu peito. Respiro bem lentamente sem crer que depois de tanta ausência e tanta negação, a gente estava ali. Depois de muitos amores, muitos caminhos cheios de dores tu me ensina mais uma vez que o importante é viver. E cada dia vou dando uns suspiros escondidos, soltando uns sorrisos pela casa quando te vejo dançar do nada, sem música. Apenas pela vontade.
Esse romance que surgiu de olhares. É assim que lembro. É assim que permaneço. E é por isso que não canso de repetir no teu ouvido: "i can't take my eyes off you". Às vezes tu nem escuta, mas tudo bem. É só ver teu sorriso e pronto. Selado. Esqueço do mundo e até do chão. Saio voando por aí de tanta borboleta que há dentro de mim.
Como quem não quer nada e no fundo queria tudo, fui e vou me achegando. Com cuidado, com carinho, com açúcar e afeto. Vou tentando te ajudar no teu caminho e trilhando o meu também. Vou tentando fazer eles se cruzarem sempre, igual nossas pernas ficam quando vemos a luz do sol invadir o quarto. Vou seguindo e sentido que já não preciso mais procurar por aí... porque tu já me achastes aqui.

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