Archive for 2010

Imaginação

Ultimo post do ano. Pra variar não sigo padrões. Até pensei em fazer uma avaliação de tudo que aprontei esse ano, mas não tive tempo. Depois pensei em postar algum conto, mas os que tenho pronto não são pra postar aqui no blog. Então, ontem à noite, lendo Clarice Lispector com minha irmã, tivemos a ideia de escrevermos algo juntas. Ela tem apenas 8 anos e nunca tinha se proposto a escrever nada. Claro que aproveitei a chance! E sinceramente adorei o resultado! #irmacorujafeelings rs
E claro, que 2011 seja um ano bonzinho com a gente e muito fértil em relação a minhas criatividades e ganhos financeiros. Até ano que vem!


Imaginação

Gostaria que todas as crianças gostassem de imaginar. Imaginar é legal. Um dia estava lendo o livro "Alice no País das Maravilhas" e cada vez que eu lia, imaginava como seria se eu estivesse lá naquele momento. Também podemos imaginar sonhando. Na maioria dos sonhos, você tem que acreditar pro sonho poder acontecer. Um dia eu estava sonhando que eu era a Alice e tudo que eu imaginava aparecia. Quanto mais imaginava, mais coisas estranhas apareciam. Uma hora eu era gigante, depois eu diminui. É melhor imaginar do que ver TV. Se assistir TV fosse tão divertido, o poder da leitura e imaginação não seria tão forte ao contrário do que pensam a maioria dos adultos que estão acostumados a nos mandar sempre ver TV ao invés de ler livros ou escrever histórinhas. Eu acho que todo mundo tem seu lado de gostar de ler. Até meu irmão de 2 anos tem esse lado de gostar de ler. E isso porque ele não sabe ler ainda. A imaginação faz parte da nossa vida.

Julia Estefany

Posted in | 1 Comment

Entre Estrelas e Vagalumes

A nossa impotência diante de certos problemas, a nossa cegueira na escuridão que nos faz buscar soluções prontas, criadas para agasalhar nossa esperança de que há um caminho com setas e hospedagens. Mas não há caminho. Porque na verdade nós o criamos a cada segundo que passa.

Cada indivíduo deve arriscar a caminhada no
escuro, tropeçar, bater a cara no muro, se sujar na lama, ralar os joelhos, criar calos, sentir medo e também desfrutar os momentos de confiança, respirar a consciência aventureira da criança que tenta dar os primeiros passos, desgarrando-se dos braços firmes dos pais.
De que adianta imaginar como seria. A realidade nunca é como imaginamos. Cada um deve fazer a sua caminhada, única e singular. Criar seu caminho através das pedras e das flores. Das poças e chuvas à grama e sol. Encontrar em si as soluções. As respostas estão dentro de nós. Nossas próprias decisões são as respostas.
O silêncio, o diálogo consigo e o ato de interpelar-se, auscultar-se, interrogar-se, são os motores para essa descoberta. E é o que menos se faz hoje. O medo de ouvir-se e perceber que a própria voz pode ser contrária com as do que nos cercam. Esse medo natural, avisando que ficar seguro é o melhor a ser feito. Mas como se saberá o que se é melhor?
Bons exemplos devem ser seguidos e cada um sabe o que é melhor pra si. Agora o momento em que se descobre o que é melhor pra si, é quando olhamos pra trás. Esse é o momento em que vemos o caminho que trilhamos e analisamos os tropeços e acertos para poder continuar caminhando. Por isso não existe o "nunca olhar pra trás" Há de sempre se olhar para trás para poder não andar em círculos.
Fórmulas prontas são feitas para curas superficiais. A verdadeira resolução está na descoberta individual do seu próprio remédio. E esse só aparece quando paramos o tempo e simplesmente nos ouvimos.
Alguns amigos são como estrelas ou vagalumes. Às vezes os sentimos longe. Às vezes estão bem perto. Alguns brilham tanto que basta a sua presença para iluminar toda a nossa caminhada. Outros aparecem de quando em vez, despontam numa luzinha singela e nos mostram um ponto de chegada. Ambos surgem para ajudar-nos a enxergar o que ainda não podemos ver. Entretanto, nem estrelas nem vagalumes são capazes de mudar alguma coisa ou de construir um caminho.

Posted in | 1 Comment

Faço férias das sensações

"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir."
Bernardo Soares/Pessoa

Mas ao escrever o que sinto crio o medo de concretizar tal sentimento, sendo que este já se torna concreto apenas através do ato de percorrer minha mente diversas vezes. E não escrever sobre o que sinto, faz de minha cabeça uma baderna. Uma guerra entre razão e emoção. Não exatamente uma guerra, porque se houvesse uma em minha cabeça provavelmente eu já teria tido um colapso ou algo do tipo.
Às vezes penso que não tenho razão, nem emoção. Talvez eu seja um poço muito profundo e quase sem fundo onde meus sentimentos ficam empilhados. Todos querendo alguma vez na vida chegar até a superfície.

"Faço férias das sensações"
Bernardo Soares/Pessoa

Posted in | Leave a comment

Lygia por Lygia

Espero daqui a alguns anos escrever que quando tinha 19 anos tive um encontro com a Lygia Fagundes Telles durante a 21ª Bienal Internacional de São Paulo. E que esse encontro fez toda a diferença na minha vida literária e acadêmica.

Posted in | 1 Comment

Cartão Postal

Uma imensidão de verde se estendia a sua frente, o sol se escondia sob as nuvens e raros pássaros voavam ao longe.
"Este é um belo lugar para nossa casa. Em breve vamos decidir as cores. Já vejo seu sorriso, meu bem. Com amor, Roger."
- Vamos guardar esse postal? Está na hora do seu jantar, Eliza.
- Não, me deixe esperar mais um pouco. Roger já está chegando.
A enfermeira deu um suspiro. Todo fim de tarde aquela cena se repetia. Ela aguardava pacientemente ao lado da anciã até a noite se apossar de tudo.
Quando estava para insistir novamente ouviu um barulho de carro para em frente ao asilo. Eliza lentamente levantou-se e arrumava os escassos cabelos brancos amarelados em um coque desajeitado. Suas bochechas estavam rubras e sua respiração afobada. A enfermeira tentou impedi-la de chegar até a porta, mas foi em vão.
Ao chegar à porta, lá estavam dois velhinhos abraçados e várias fotos de uma casa no campo espalhadas no chão.
Por momentos, Janice - a enfermeira - não acreditava que tudo o que estava escrito no cartão postal era real. Ela generalizava com todos a sua desilusão amorosa. Mas ao ver que não havia tempo para esperar por um amor, deixou vários valores absurdos para trás.
- Eu pude ver seu coração todo esse tempo minha querida, mas ele estava tão despedaçado que eu não me arriscava a tentar juntar, tinha medo de deixar algumas partes se perder no nada. Mas agora vejo que és capaz de se ajustar.

Posted in | 1 Comment

Fracos, raros, rasos

Não afogue suas mágoas em mim.
Não coloque esperanças assim.
Não sejas feliz ao meu lado.
Jamais pense que cumpro todas as promessas que faço.
Eu sobrevivo não de sonhos, mas de ilusões.
Tudo ao redor é raso.
Errado é pensar que somos raros.
Na verdade somos fracos.

Posted in | 1 Comment

Contos Diários - 1 -


Apitos, balbúrdia, reclamações de direito, esquecimento dos deveres, bate-bate de portas, tac-tac da maquina datilográfica, conversas mudas aos corredores. O ambiente de uma greve sem propósito e cheia de afãs.
Tudo aquilo parecia familiar para Fernando. Estava velho, sentia-se um completo inválido sobrevivendo à mercê do governo. Mas nada disto ele significava para Gonçalo, seu neto de sete anos.
A cidade em que moravam estava plenamente parada, alguns setores – talvez os mais importantes – estavam em greve. Lutavam por melhores condições de trabalho, menor carga horária, férias e mais férias. Para os prejudicados, aquilo era a nova moda de como ser um autentico vagabundo.
Ignorantes. Resmungava Fernando ao ouvir o noticiário, a opinião de seus filhos e conversas de desconhecidos.
Os homens já tiveram objetivos, propósitos, temas e honras encravados no peito. Hoje mal se sabe o que é o próprio respeito. Hoje Fernando era apenas o vovô Nando. O qual já fora Fernandinho, Nandico, Fernandão e unicamente chamado por sua falecida esposa de Nandinho.
Um eterno boêmio, apaixonado pela vida e pelas oportunidades que esta lhe proporcionava. Líder de movimentos estudantis contra o governo. O futuro da juventude. Defensor de uma melhor educação. Hoje não passava de um contador de histórias para o neto. Para ele o tempo era o único inimigo invencível. Mas só se deu conta disso quando sua esposa morreu. A cada minuto sentia sua falta e aborrecia-se ao se dar conta disso.
“E todos os dias ele roubava uma flor do jardim do vizinho para dar a ela.”
O ‘ele’ era Fernando. O ‘ela’ era uma das várias namoradas que teve. Gonçalo ria, se divertia, idolatrava e interpretava os vários Fernandos e suas facetas. E para Fernando esta era uma maneira de imortalizar-se sem escrever uma palavra.

Posted in | 1 Comment

Sombras de Belle Meade




Autoria de Ágda Santos e Juliana Cimeno do blog .do obvio ao avesso.



Já era noite quando despertara com uma forte dor na cabeça. Os sentidos bagunçados não lhe permitiam localizar-se. A respiração descompassada nada lhe ajudava. A todo custo pôs os pés para fora da cama. A dor então foi amenizando, a respiração voltando ao normal. Tateou em busca de seu criado-mudo onde costumeiramente deixava seus óculos.
Encontrou o copo com água, maço de cigarros, o porta-retrato que sua filha lhe dera, um jornal amassado e enfim seus óculos. Colocou-os e caminhou até um pequeno banheiro que ficava logo à frente. Algumas baratas se escondiam à medida que ele avançava até a pia encardida.
Ligou a torneira e esperou que a água enferrujada acabasse de sair, em seguida molhou a nuca e sentiu a velha cicatriz de 1945.
Voltou para a cama, mas sabia que não voltaria a dormir. Era um ritual até o amanhecer. Agora só restava continuar.

--

Nenhuma luz fora acesa no local, mas enquanto observava de fora o segundo andar da velha mansão Belle Meade, ela sabia exatamente em que coordenada ele se encontrava, e o motivo que o fizera sair da cama.
Tinha as mãos nos bolsos fundos e o pescoço encolhido junto à gola do casaco pesado e preto. O fato não lhe chamava a atenção, mas seus cabelos, normalmente alinhados, brincavam no ritmo do vento pelos arredores de sua cabeça.
Seus olhos, ouvidos e nariz mantinham-se atentos. Sua mente, porém, vagava até a dele.
Era uma noite como qualquer outra. Mas se pudesse, a faria diferente.

--

Voltou para perto da cama, pegou o velho jornal e vestiu um roupão surrado. Caminhou até uma pequena cozinha, serviu-se de
café amargo, há duas semanas que não sabia o que era doce. Há 65 anos não sabia o que era ter uma vida doce. Abriu mais uma vez o jornal para ver a imagem da mulher que transfigurara sua vida. Mais uma vez passou a mão na cicatriz. Recortou a foto do jornal e a colou numa parede proxima junto com centenas de outras fotos. Todas acompanhando o envelhecimento e enriquecimento de uma única mulher.

--

Seu corpo permaneceu tão intacto quanto sua sanidade permitira. Se um fator não dependesse do outro, não estaria naquele lugar, plantada em uma única posição durante longas horas. Não percebeu quando o frio começara a machucar a pele de seu rosto, criando um choque entre a sua palidez e a cor avermelhada do sangue que ainda corria em suas veias.
Depois de tantos anos, ficaria levemente surpresa se tivesse conhecimento desse seu reflexo. Porém, a única sensação que permanecia em sua tela de consciência era a necessidade.
Movida por ela, andou em direção à casa.
Era sua eternidade, mesmo que só 65 anos tivessem se passado.

--

Alex estava cansado pelo rumo que sua vida tomara, não suportava mais o próprio ar que respirava. Olhou pela janela embaçada e viu uma luz na mansão acessa. Como em todas as madrugadas, era ela. Um meio sorriso tomou conta de seu rosto. Toda a dor poderia cessar se ele decidisse pegar o carro e atravessar a plantação de girassóis. Tudo poderia mudar em apenas algumas horas. E então a luz distante apagou-se. Seu semblante tornara a desanuviar-se. E com o cantar dos galos toda a dor escondia-se dentro do peito. Era chegada a hora.

--

Era lei dos caçadores, nunca encurralar uma presa quando não se pode adentrar sua toca. Ela pode morrer de fome, mas não morrerá por suas mãos.
Esse fora seu primeiro erro.
O segundo, aparentemente, fora o instinto humano.
Nos poucos segundos gastos na aproximação de seu antigo lar, despiu-se de seus próprios princípios. Era um animal faminto, instigado pelo cheiro de carne fresca e ensaguentada.
Lillian abriu as portas, subiu as escadas, passou por suas fotos - que formavam uma linha do tempo pela sua sobrevida. E, finalmente, encarara sua tão sonhada presa.

- É hora, meu filho.

...E devorou-lhe o coração.

Posted in | 5 Comments

Contos Diários - 3 -




3.

Sua vida estava acabada. Nenhuma esperança nem sonho lhe restam mais. Na verdade Bernardo já nascera sem sonhos. Crescera sem esperança e o tal de amor nunca lhe foi concedido. Vivia entre os prédios cinza e os fantoches de sua cidade.
Nunca confiou em ninguém e muito menos amou. Seu coração vivia vazio e ele ocupava as horas devorando as magníficas histórias de seus antepassados.
A vida sempre foi cinza. Jamais será uma coisa só. Ele jamais se decidirá sobre o amanhã e tudo vai se repetir. Ninguém é capaz de manter-se fiel a seus princípios. O homem sempre foi corrupto. Desde o Éden.
Pobre Adão desgraçado culpou sua amada Eva e esta culpou a endiabrada cobra. E a cobra culpou alguém? Pelo menos até onde sei, não.
E Bernardo sentia-se só como a cobra. Não tinha ninguém igual a ele. Nenhum fantoche lhe agradava por mais belo e quase perfeito que fosse. O peso dos erros humanos sobre seus ombros. Ele era o bem e o mal. Mas nunca conseguia o equilíbrio. Pois não há equilíbrio nessa vida. Não há. Duas coisas sempre estão lutando pelo domínio.

Posted in | 1 Comment

Contos Diários - 2 -

2.

A ignorância humana oprime, liberta. Já cheguei a pensar que todas as palavras são ambíguas. Ainda não me decidi sobre elas, muito menos da ignorância.
Dizem que os ignorantes são os mais felizes. E com certeza estão certos os que dizem isso. Saber das coisas desvanece a alma, empobrece o espírito e por vezes mata.
Não sei dizer como, apenas sei que é irreversível. Também não sei se estou viva depois de tantas conclusões sem motivo e direção.
Ignorância poderia ser considerada arte, religião, filosofia de vida. Mas segui-la é mais difícil que realizar o próprio celibato.
Ignorância é a própria loucura da qual todos fogem.
Ignorância é a nossa imagem ao avesso traspassada por todas as verdades ocultas.
Talvez existam casos de insurreições onde o individuo tem momentos de vida, ora de morte. Momentos lúcidos de uma rara alegria que consegue furar a bolha de isolamento.

Posted in | 6 Comments

Pessoana


Quando não sei o que sinto
sei que o que sinto é o que sou.
Só o que não meço não minto.
(...)
De ponto a ponto rabisco
o mapa de onde não vou,
(...)
penetrável labirinto
em cujo centro não estou
mas apenas me pressinto
mero signo, simples mito.


“Pessoana” - Paulo Henriques Britto -

É uma vontade de não sei o quê. Um vazio que nunca preenche. Indecisão onde não há nada o que decidir. E não, isso não é paixão. É falta de ocupação. Falta de coração. Falta de humilhação e chega de palavras com ‘ão’, porque já disse: “Não fui feita pra rimar”. E talvez nem pra amar.

Sou feita de saudade e vivo de dramas. Até aqueles que não me pertencem. Sou uma mistura de lealdade e desconfiança de um modo até aterrador. Contrariar é uma arte. Raras às vezes consigo ser objetiva. E ainda assim odeio prolixidade.

Sou um mosaico de sentimentos. Dores, sabores, amores. Tentar entender-me chega a ser um tormento. Melhor é ir vivendo e vendo. Porque estar ao meu lado não é garantia de companhia. Sempre estarei aonde nunca vou estar. Sempre vou fingir que estarei a sonhar.

Não sou ciclo, e nem gosto disso. Não estou perdida, mas sinto estou me perdendo pra algo, nunca pra alguém... Ou por alguém. E sempre, sempre posso duvidar de algo. Porque exatidão é um padrão que não me convém.

E eu sempre fico com essas rimas na mão, depois de ler os poemas do Rafael que entram no coração. Eu não tenho coração, já disse isso?
Devo ter um buraco negro, que sempre me puxa, sempre dá umas pontadas fortes como se estivesse me puxando de fora pra dentro. É uma agonia. Algo esquisito e doloroso isso.

Detesto rimas. Elas grudam em mim. Mas só aquelas rimas pobres. E então fico lutando contra elas. E fico lutando contra meus pensamentos. Ou seriam sentimentos?

Deve ser coisa de momento. Chega de tormento. Chega de sentimento!

Na verdade, ser assim é algo indefinido. Ou pelo é algo que não se define em poucas páginas. Devo ser apenas um mosaico de sentimentos, só isso. Não é coisa de momento.

Posted in | 4 Comments

Assalto das Lembranças

Não, o homem feliz não é o que tem camisa, como o da história que o Padre Barnabé nos contava, no seminário. O homem feliz é o que não tem passado. O maior dos castigos, para o qual só há pior no inferno, é a gente recordar. Lembrança que vem de repente e ataca como uma pontada debaixo das costelas, ali onde se diz que fica o coração. Alguém pode ter tudo, mocidade, dinheiro no bolso, um bom cavalo debaixo das pernas, o mundo todo ao seu dispor. Mas não pode usufruir nada disso, por quê? Porque tem as lembranças perturbando. O passado te persegue, como um cão perverso nos teus calcanhares. Não há dia claro, nem céu azul, nem esperança de futuro, que resista ao assalto das lembranças.

Pág. 188, Memorial de Maria Moura – Rachel de Queiroz


Posted in | 3 Comments

Esperança

Eu estava descansando quando ela reapareceu depois de anos. Silenciosa e desconfiada foi entrando, e eu estava perdida em pensamentos que não fui capaz de perceber sua presença. Sua gloriosa presença.

Deitada no chão do escritório aproveitando o silêncio da hora do almoço, eu jurava estar sozinha. Tudo era igual, calmo e monótono. Tudo era branco, preto, marrom e cinza. Tudo era o resultado da sabedoria humana. E ainda assim não era nada.

Não havia mais o tic-tac do relógio para me hipnotizar. Não havia ventilador no teto para prender minha visão. Não havia moscas zunindo e nem vendedores de pamonha para me trazer de volta a realidade irreal da vida. Era apenas eu, o horrível silêncio e ela, sorrateira e desconfiada vigiando-me.

Ainda não descobri porque ela veio até mim. Não estava perdida e muito menos minh’alma estava corrompida. Mas as coisas não acontecem para se ter uma explicação Ou acontecem? Pois se acontecem para se ter essa explicação, esqueceram de nos dar esse direito. Talvez só nos seja acessível à explicação plausível. Aquela cheia de dogmas e que segue apenas uma vertente, julgando esta ser a melhor para a compreensão fraca dos humanos.

Lembro-me da ultima vez que a tinha visto. Era o sitio de meus avós, um dia chuvoso e quieto. Eu queria brincar na chuva, mas não deixaram. Tranquei-me no quarto e fiquei vendo a chuva cair da janela. Estava distraída quando ela entrou pela janela, molhada e fraca. Tive medo de machucá-la e mesmo assim a peguei e coloquei na cama. Ela pulou, sacudiu-se e me fez rir. Começou a pular pelo quarto inteiro, parecia dar vida a tudo em que tocava. Parecia colorir o quarto com seu verde flamejante.

Aquela era minha ultima tarde no sitio, e graças a ela, fora a mais divertida. Depois disso parece que vivi um tempo inteiro dormindo, sem ações e pensamentos, muito menos sonhos ou talentos. Fui apenas vivendo sem notar que ela sempre esteve a minha espreita, guiando-me.

Espreguicei-me lentamente já pensando nas coisas que teria que fazer a seguir. Guardei minha almofada com estampas de elefantes e sentei na cadeira. Ainda de olhos fechados tentando aproveitar aquela paz, fiquei uns minutos quieta. Foi ai que ouvi o barulho de seu salto. Eu conhecia aquele barulho. Ele sempre esteve guardado na minha memória. Abri os olhos e lá estava ela em cima da pilha de arquivos que eu teria que arquivar. Meu sorriso abriu-se como não fazia há tempos. As engrenagens de meu rosto rangeram devido ao esforço de retornar ao esboço antigo de um sorriso que outrora tinha sido minha marca pessoal.

Não lembro quando parei de sorrir, não lembro os motivos para realizar o ato de isolar aquela menina que tinha brincado numa tarde chuvosa de verão com uma... uma...

Tinha esquecido seu nome! Agora além de lutar para formar um sorriso decente, teria que lembrar seu nome. Senti meu coração murchar novamente, querendo voltar rapidamente ao estado letárgico em que me achava. Mas não podia deixar isso ocorrer. Uma velha amiga aparecera para uma visita e eu não podia voltar ao ser que estava no chão.

Estendi minha mão para que ela saltasse.

Um longo momento de silêncio em busca da confiança nos infiltrou. Eu esperei seu movimento. Minha respiração era mínima para que não a assustasse. E pata por pata ela foi colocando na palma de minha mão. Aquela sensação de confiança, de entrega de vida era acalentadora.

Mas fazia tanto tempo que uma vida se entregava a mim que eu não sabia o que fazer. Fiquei parada observando-a. Suas longas antenas mexiam-se devagar, seus olhos enormes vasculhavam todo o escritório. Ela estranhava aquele lugar. Assim como eu estranhava todos os dias que pisava ali. Aquelas cores mortas nos faziam ficar vazias. E por um breve momento pedi-lhe para me levar dali.

Caminhei até a minúscula janela e a incentivei a ir. Não podia atrasar-me mais. Ao longe já se ouvia o som de trovoadas. Minha pequena amiga assustou-se e saltou para dentro, saltitando por todos os lados, em cima dos armários, do computador quebrado e inacreditavelmente estava devolvendo-me a vida.

Posted in | 2 Comments

Tabuleiro Linguístico

Vozes, sussurros. Vozes, murmúrios. Vozes, burbúrios. Vozes, lamentações.
Ou o grito?
Clemência.
Liberdade.
Intolerância.
Sagacidade.
Inocência?
Um turbilhão de vozes ecoa dia após dia e mesmo assim continuam mudos.
Já faz tempo em que se viam pessoas com objetivos marcados no peito e seus olhos flamejavam vida.
Já faz tempo em que não se vê vida nos olhos de ninguém.
Jamais vi uma geração mais acomodada do que essa a qual faço parte. Ninguém sabe o que é um partido de esquerda, de direita. Mal sabem o que foi a Proclamação da Republica que não teve nada de público. Saber sobre política hoje é caretice. Ler jornal só na véspera do vestibular, ou na sala de espera do dentista – e olhe lá!
Hoje em dia tudo e todos têm que se enquadrar em algo. Pertencer a algo, a alguém.
Ter time, beber cerveja, ser crente, ser ateu, gostar de algo, ser alguém. Tem que ser algo, ser indeciso é doença. Quando no fundo é o que todos são.
Nos olhos de alguns ainda flameja a velha chama ao lembrar de algo, a vida já esteve nos olhos deles. “Diretas Já”, “Caras Pintadas” e tantos outros movimentos juvenis não foram algazarras em busca de atenção. Mudaram o país. Houve uma diferença. Houve gritos de vida!
Sempre se terá vida enquanto houver sonhos impossíveis e a alma jovial pronta a lutar por seus ideais.
Ideais.
Objetivos.
Sonhos reais.
E sorrisos.
Aos poucos vamos tomando consciência de que realmente somos o futuro desse país. Aos poucos, ao menos isso.
O rodízio de pizza está se esgotando, os garçons estão indo e pouco a pouco a chama viva brilha novamente nos olhos.
Pouco a pouco cada um participa da história tomando as rédeas desse prematuro país em busca de humanidade. Basta levantar do sofá e ver no que o mundo está se transformando. Ou no que estamos deixando esse mundo se tornar.
Vamos lá, é hora de sonhar.

Posted in | 1 Comment

Memória Sobre uma Jovem

Posso dizer que tenho mais de mil anos, mesmo tendo nascido ontem. E o único defeito que carrego é a memória. Ela não é confiável. Às vezes acho que ilude ao me trazer a lembrança de certa jovem que muito tinha a ver comigo e ao mesmo tempo fazia parecer que eu era a lembrança trazida.
E mesmo desconfiando de minha memória, acompanhe minha história. Que não é alegre nem triste. Porem é rica de sentimentos.
Não lembro o dia, nem hora, muito menos a estação em que nos vimos pela primeira vez. Talvez pelo intermédio de uma amiga, ou se o destino existir, por meio dele.
Ela não me viu. Como sempre acontece. Mas eu sim. E impliquei com ela. Talvez seja meu jeito de suplicar atenção. E ela nada fez. Então abordei um modo mais discreto e educado. E isso sim deu resultado.
Não, não quero fazer disto um texto rimado. É apenas o espírito de um poeta bêbado incubado.
Mas deixemos o poeta de lado, pois o que importa aqui é a jovem que mencionei logo acima.
Nada dela me chamava atenção. E assim eu seguia meus dias. Em uma completa ignorância da vida. Sem saber que essa mesma menina, se tornaria minha grande amiga.
Eu tinha sede de amizade, de compreensão e lealdade. Não, não posso dizer que ela supriu isso tudo de uma vez. Afinal, ela também precisava disso. Nós duas tínhamos que compartilhar.
Acho que não convém dizer o nome, a memória é falha. Mas poderia ser Jéssica, Talita, Juliana, Larissa, Alessandra, Pérolla ou até uma Lorenna da vida.
Ela era eu e muito mais.
Eu nunca deixei de ser uma zeugma. Já ela, era mais que o próprio Soneto do Amigo de Vicinius de Moraes.
Mas uma coisa sempre me chamava atenção, às vezes, ao olhar bem para essa amiga, ela não passava de um bebê, a choramingar no berço. Com medo e raiva deste mundo, que a concebeu sem a mínima proteção.
Eu queria pegá-la, pôr em meu colo e sussurrar em seu ouvido alguma bela canção de ninar. Só que a vida nunca me permitiu isso, eu estava longe demais dela. E o único jeito que achei de estar perto, era mandar frases nas asas do vento.
Ela era eu e muito mais.
Pra ser sincera, depois de algumas conversas, pude ver que ela não era comum. Não era comediante, mas ríamos sempre. Até das piores desgraças que nos aconteciam. Não era psicóloga, mas sempre me ouvia e dizia palavras certas e por vezes decoradas quando eu precisava. Ela não era constante, e graças a Deus por isso.
Mas ela não era saudável. Talvez ninguém nessa vida seja realmente.
Ela era eu e muito mais.
Eu acredito que as piores doenças não são as que estão no corpo, e sim no cérebro. Quanto a pior, eu não sei dizer. Mas que por vezes me batia a vontade de abrir a cabeça dela e tirar seu cérebro, ah isso sim! Talvez isso seja amizade, ou era apenas o meu medo de perder a única pessoa que de certo modo, entendia como eu me sentia.
Volúvel, bizarro, negligente, serelepe, pensabundo, fidedigna, amável e toda sorte de palavras que eu poderia dizer que a definiam como a amiga que tenho. Mas seria injusto, a memória é falha.
Ou o mais injusto seria procurar defeitos onde não quero achar.
Ela não era eu. Mas sempre será muito mais.
Porque, por mais que ela própria não enxergue o imenso valor que guarda dentro si, eu sempre saberei. E disso sempre vou lembrar. Porque é dela a lembrança de certa jovem que muito tinha a ver comigo e ao mesmo tempo fazia parecer que eu era a lembrança trazida.
E mesmo desconfiando de minha memória, acompanhe minha história...

Posted in | 3 Comments