Lembro-me de uma tarde intensa que passei com Gabriel, o
Gabo. Nem lembro como estava o clima naquele dia ou quantas xícaras de café nós
bebemos. O conheci por sua solidão. Tão pesada e exata. Ele mesmo dizia ter 100
anos.
Foi bem assim, um amigo em comum chegou e nos apresentou:
“esse é o Gabriel, tão chato quanto tu. Será se vão se dar bem?”. E nossa
indiferença deu um tempo para a curiosidade trabalhar. Nós dois gostávamos de
ouvir, mas naquele momento nossa conversa fluía.
Gabriel falava de sua solidão, do peso das palavras e das
várias mulheres que amou. Ele ao ver que não julgava por haver várias, seguia
contando um pouco de cada. Dos detalhes do corpo, da voz, do que elas gostavam
e de como gostavam de transar. Gabriel humildemente atendia cada uma. Cantava
pra muitas Let’s Fall In Love, do jeitinho que Ella Fitzgerald costumava
cantar. Dizia dançar com o rosto colado e uma concentração dos infernos para
não ficar excitado.
Quando não era Ella Fitzgerald, dizia apelar para algum
tango argentino que sempre caia melhor que um blues. E apesar das várias
histórias, Gabriel parecia tão só quanto eu.