Archive for agosto 2011

Deixa o Tempo pra lá

- Sabe, é melhor parar de prestar atenção no tempo. No quanto ele corre, foge e ainda pula das nossas mãos. Veja só hoje, acabamos de levantar e já é hora do almoço! 'No me gustas esto'. Ou veja ontem, o que fizemos ontem mesmo? Nada? Não, fizemos um monte de coisas e ainda faltou outro montante. Vê essa pilha de livros aí do lado pra guardar, era tua tarefa, mas inventastes de ficar com febre justo no pôr do sol.
- Estranho né?
- Lá vem com teu cinismo. Não gosto disso. Sempre brincando comigo. Já disse que não tenho paciência. Só tens sorte de que meu amor por ti é grande. E tu abusas! E como! Podia ao menos ter feito o almoço hoje. Não, pensando melhor. Fizestes bem ficando quietinho. Muito esperto, mas não abuse de minha paciência. Vais dormir no sofá qualquer dia desses! Há mais se vai se continuar com essas tuas brincadeiras...
- No te gustas?
- Ampliar o vocabulário de espanhol pode ajudar na viagem, sabe? E veja só! Já temos que viajar semana que vem! Como pode o tempo brincar com a gente assim? Quando eu era criança, o dia demorava a passar quando eu estava com a babá. Queria tanto minha mãe que ele demorava a passar. Um tormento danado. Ou na escola. Ou na universidade. Mas veja hoje, uma manhã só conversando contigo e a tarde já chegou. Um domingo tranquilo e já é quarta-feita. Quis tanto essa viagem e cá está ela, fazendo-me correr com tudo de um lado para o outro.
- Sem necessidade alguma.
- Claro que há! Se não for eu, quem vai arrumar as malas? Quem vai conferir as passagens? Quem vai trancar a casa? Quem vai pedir pro vizinho receber as correspondências?
- Tenta respirar pra falar, meu amor.
- Com certeza vou esquecer algo. Sempre esqueço algo. Lembra da viagem até Portugal? Que esqueci meus óculos? Foi terrível! Não poder ler, não poder enxergar direito as obras de arte, os homens bonitos! Acho que nessa viagem esqueci uma porção de coisas, mas o óculos foi o que mais fez falta. Faço tantas listas que até delas me esqueço de cumprir.
- Faz assim, esquece o tempo apenas. Deixe ele pra lá. Olhe ali no canto, as malas estão prontas. Você leu o recadinho que deixei na geladeira? Não, né? Pois é... Ontem pedi pro vizinho receber nossas correspondências, já até avisei o carteiro. As passagens estão na sua bolsa, aquela ali verdinha em cima das roupas que você separou pra vestir na viagem. Muito lindas por sinal. Seus óculos estão na sua cabeça. E o quê mais? Há sim, pedi pro Fernando vir todo fim de semana regar as plantas, dá uma olhada na casa. E ele nem quis cobrar nada! Acreditas? Então fazes assim igual a mim: Larguei o tempo há 68 anos atrás, quando te vi subindo o altar. Agora achega-te aqui e sente que cheirinho bom que tá essa lasanha.

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Café Planetário

A qualquer hora, café. Só café. Pergunte se tenho tempo pra ir ao batizado de um sobrinho que te direi que não. Pergunte se tenho tempo pra um café na esquina, que já estou puxando o banquinho e estendendo a caneca. E aí divago.
Já pensou? A qualquer hora, amor. Bem ali. R$0,50. Baratinho e quentinho. Ainda dá pra dividir com amigos. Mas não qualquer amigo. Tem que ser aquele que também divide, aquele que dá um abraço forte mesmo quando não se precisa de abraço. No dia quente, na noite gelada.
Vendo café, pagar com abraços. Vendo abraços, pagar com café. Bem encorpado, forte, na medida certa. E aí, na falta dos trocados, dou amor. R$0,50. Não engorda e não mata. Na falta das moedas dou amor.
Botões, toques, moedas. Parece tudo prático. Plástico. Nada natural.
Daí o busco. O natural. E acho. Acho-o sensacional. Lá no planetário. O café Planetário, digo.

- Um café, por favor.
- Só um café? Temos um bolo delicioso.
- Só café.
- Tem certeza? O bolo tem uma calda deliciosa de chocolate que eu mesmo fiz.
- Olha seu moço, eu só tenho dinheiro pra um café. Então, um café, por favor.
- Ah sim, desculpe.

Talvez vender amor, ou dar amor de troco não seja algo bom. Tem tanta gente que nem isso pode. Tipo eu. Nem amor eu posso. Fujo dele. É mais fácil. Só fico andando por aí. E até me apaixono às vezes e quando percebo, fujo. É mais fácil. Só machuco de leve. De raspão. Sara rápido. Um café depois e já esqueci. Na esquina seguinte começa tudo de novo.

- Seu café é uma cortesia da casa.
- Olha, eu poderia dizer que não sou mendiga pra aceitar esmola. Mas sua calda tá tão apetitosa que vou engolir esse orgulho junto com ela.
- Então divide comigo, não foi eu quem fiz a calda. Ai engulo minha timidez junto também.
- Ora! Como não? Tu me disse a pouco...
- Disse. Mas foi só uma cantada de muita sorte. Anda, me dá um pedaço grande.

Tá quase na hora da fuga. Mentiu pra mim, me deu uma fatia de bolo deliciosa, pediu um pedaço grande e burlou toda a formalidade que quase não existiu entre a gente. Bebeu do meu café. Queimou a língua. Disse que café não era pra ele. Café é coisa de gente séria. Perguntei-lhe se eu parecia séria. Ele disse que não, mas porque gostava de mim. E só por isso não me achava séria. Nesse momento sei que há algo além disso. Nós dois queremos algo além desse café. E então eu já estava quase fugindo. Terminamos o lanche, tínhamos que voltar ao trabalho. Ganhei carinhos, beijos roubados. E roubei beijos também. Não nasci pra ser santa. E afinal, já estava fugindo. Antes de fugir há de se pelo menos conhecer o caminho que em breve será abandonado. Que será largado por muito tempo até topar numa esquina de novo, em algum café no fim de tarde, no meio da noite, no raiar do sol.
Despedia-me do café Planetário. Do bolo e café delicioso. E do garçom também. Moço guapo que não gostava de café. Passaria bem longe dele. Do café Planetário, digo. Tão bom que era o café de lá.
Mas é isso. É só café. Tenho dinheiro só pra um café e nada mais. Quero só um café e nada mais. Não se iluda comigo. E aí sigo cantarolando: "Não me leve á sério, me leve apenas pra andar por aí".

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Lio III

Momentos criativos.
Todo momento é criativo, mas eu raramente percebo ou quando percebo, não lembro de anotar aquela frase genial, aquele conto sensacional... Escapa-me pelas mãos.
Dizem que escrevo microcontos (e contos também) quando comento nos blogs de amigos. Não sei, acho que não. Mas alguns comentários até me dão ideias do que escrever por aqui.
Peço autorização e mãos a obra. Se bem que só fiz isso duas vezes. Pessoal não anda inspirado em comentar. Parece que nem leem o que o post quer dizer. Mas tudo bem, dizem que o mundo tá uma correria hoje, né? Sei não, essa noite demorou a passar pra mim. Nunca vi mais longa. Quer dizer, já vi sim, mas não posso comentar nada, coisas boas a gente não espalha.
Eu vim aqui cheia de vontade de escrever algo bem apaixonante, que vibrasse no coração de alguém. Mas ele deve estar ocupado demais esquentando os pés com um gatinho chamado Lio III (ou será Lion?). Um fofo. O gatinho, eu digo.
Mas voltando, essa semana tem sido bem exaustiva. Trabalho de manhã, trabalho de tarde, universidade à noite. E eu ainda inventei de ir caminhando do meu trabalho até a faculdade, perder uns quilos, malhar as pernas e economizar na passagem do ônibus (pra comprar café no lanche monopolista do bloco I). Não é insano, dá uns 25 minutos a pé quando estou conversando pelo celular com o cara que esquenta os pés com um gatinho chamado Lio III (ou será Lion?). Cansa, mas só fiz isso na segunda-feira, porque terça e sexta-feira eu curso espanhol e ganho carona do Oskar. Hoje teria que fazer de novo, mas minha maré de sorte não tá muito boa. Não, eu não leio horóscopo - quer dizer, às vezes leio de bobeira, pra rir um pouco, mas acreditar mesmo nem pensar -, mas uma amiga já leu as cartas do Tarô Wicca pra mim uma vez. Foi bacana. Sinto falta de todo o esoterismo que ela me passava. Era único.
Ah sim, o que eu falava? Momento criativo. Certo. Na verdade, eu nem deveria estar escrevendo aqui. Deveria estar escrevendo pra coluna de literatura de um tal fanzine aí que fui convidada pra participar. Tenho esperança desse fanzine sair esse ano ainda. Apesar da equipe ser feita de boêmios e tudo o mais.
Essa tarde está demorando a passar também. Mas não reclamo. História Moderna à noite é de lascar. Mas nada que um café não resolva.
A essas horas ele deve estar esquentando os pés com um gatinho chamado Lio III (ou será Lion?) e bebendo café na xícara da asa quebrada. Coisa chique. Poucas pessoas tem uma xícara da asa quebrada. Eu mesma ando pensando em adquirir uma. Será que é caro?
Ah sim, momento criativo. É difícil percebê-lo de barriga vazia. De barriga cheia também. Mas dá pra sobreviver com ele tranquilamente. Sem ele é um sufoco. Mas veja bem, cá estou a escrever sem nexo algum e você está lendo, absorvendo tudo. Mas não pare, não. Termine de ler. Juro que mais coisas com nexo virão, com sexo e sem nexo também. Viu, prendi tua atenção de novo. Nem adianta esconder o riso, faz mal pra pele. Dá rugas. E te agradeço, visse? Mas já vou indo, logo o Lio III (ou será Lion?) começa a miar e nem queira contrariá-lo.

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Benditos Marmanjos

"Benditos os que não confiam a vida a ninguém."
Livro do Desassossego. Trecho 61. pag 95. Fernando Pessoa

Eu?
Bom, eu confio a tanta gente que até me perco. Caio no chão. Quebro a cara. Sujo-me de lama. Tomo banho de risos, de rio, de mar. Como algodão doce no parque, bebo cachaça na praça, jogo dados na chuva pela madrugada, caminho no bosque sem rumo, mergulho no rio sem medo, sigo a 100km/h na hora do recreio, divido o lençol da cama sem briga, mato zumbis com armadilhas, escuto samba na calçada, faço uma tatuagem por mês, divido tudo em três metades, como sanduíches sem as alfaces, faço drama, sou precoce, tome porre, me visto de homem, fumo 4 maços por dia, bebo vinagre pra emagrecer, jogo Imagem e Ação pra valer, bebo vinho vagabundo apenas pra ler, conto minhas verdades para o vento, amo quem se oferecer para eu amar, espero o tempo que for pra te amar, brigo contigo só pra importunar, ignoro-te só pra preservar, escuto teu sorriso na beira do mar, toco violão em tua devoção, tiro foto das estações, dou-te o que quiser sem cobrar nada, reconheço-te sem nem ao menos te conhecer, abraço mais seguro que o meu não há, serei-te leal até minha memória aguentar. Confio a tanta gente que varo a noite madrugada a fora, contando os sonhos que outrora mal pensava em ter, os filmes que nunca quis ver, as viagens que nunca fiz. Por vezes as idas ao bosque que jamais estive, a cama que nunca deitei, o banco da praça que nunca vi, a grama que nunca sentei. Mas eles dizem que eu estava lá. Em uma estrela, num espaço da calçada, em uma gargalhada, em uma dose de cachaça, em um general, em uma piada sem graça, em crises de risos, nos raios tenebrosos da noite, no sol escaldante do meio-dia, na cerveja das cinco da tarde, na parada de ônibus, na madrugada fria.
E eu?
Bendita sou, pois largo minha vida por aí. Bendita minha vida que anda feliz com esses marmanjos por bares, bibliotecas, cinemas, calçadas, ônibus e madrugadas. Benditos marmanjos que fui arranjar.

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