De cigarro em cigarro


A gente se perde em muitas ruas. Literalmente ou não, continuamos a andar, sem rumo e sem pressa. Por mais que a boca teime em dizer que hoje o tempo voa, amor. Mas a única coisa que escorre pelas mãos é o pouco dinheiro que ganho e não sei administrar.
A gente busca muitas coisas também. As quais depois de cinco minutos perdem por completo o sentido. Não existe faculdade dos sonhos, viagem planejada, consulta com hora marcada ou o grande amor de uma vida. Existe isso que vejo nesse exato momento em que escrevo. Não tem sol, não tem lua e não vou rimar dizendo que a única luz que existe aqui é você. Porque não é, meu amor. Mas baixinho sussurro no teu ouvido que teu sorriso me ilumina, dá certo sentido na vida. E se te digo é porque naquele momento o é. As coisas ditas tem prazo de validade. Uma vez ditas e ouvidas, já não valem mais. E não adianta repetir. A sensação já é outra.
De cigarro em cigarro, Luiz Bonfá vai ficando com os dedos calejados de tanto repetir. Eu também fico cansada de ter que te esperar. Saio vivendo por aí. Sem pretensão de nada, arruinando qualquer esperança criada naquele momento do cigarro na madrugada. O silêncio, a fumaça e o olhar suplicante. Não preciso nem dizer o que é que me mata. Esse verão não fui nada doce. Não morri de amores e saio às vezes a questionar quando é que o arrebatamento vai vir.
Acho graça em dizer que tu feito Rita levastes tudo de mim. E no fundo eu sei que a verdade foi eu que te dei tudo e fiz questão de não pedir de volta. Hoje já não tenho mais nada a ofertar aos novos amores. Olhares suplicantes na madrugada, nunca aprendi a dizer não a eles e fui ficando, preenchendo essas lacunas de amor com trechos perdidos, escritos anônimos e copos vazios.
Queria ao menos sentir que tua ausência me rasga, dilacera a alma. Dizer que estou enchendo a cara, que perdi o emprego, que o peixinho dourado morreu, que cansei de te esperar. Tocar fogo nas tuas roupas, cortar teus livros, as fotos de domingo, os vinis do bazar judeu. Mas nada disso acontece.
Cada fim de noite eu chego em casa, luzes apagadas, a samambaia na varandinha. Tudo no mesmo lugar. Um dia tu aparece. Feito gata de rua vais chegar observando, sondando, cheirando tudo. E pouco a pouco se aproximando de mim. Com os olhos mansos, trazendo de volta minha paz. Aquele aconchego sem fim.

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