Contos Diários - 1 -


Apitos, balbúrdia, reclamações de direito, esquecimento dos deveres, bate-bate de portas, tac-tac da maquina datilográfica, conversas mudas aos corredores. O ambiente de uma greve sem propósito e cheia de afãs.
Tudo aquilo parecia familiar para Fernando. Estava velho, sentia-se um completo inválido sobrevivendo à mercê do governo. Mas nada disto ele significava para Gonçalo, seu neto de sete anos.
A cidade em que moravam estava plenamente parada, alguns setores – talvez os mais importantes – estavam em greve. Lutavam por melhores condições de trabalho, menor carga horária, férias e mais férias. Para os prejudicados, aquilo era a nova moda de como ser um autentico vagabundo.
Ignorantes. Resmungava Fernando ao ouvir o noticiário, a opinião de seus filhos e conversas de desconhecidos.
Os homens já tiveram objetivos, propósitos, temas e honras encravados no peito. Hoje mal se sabe o que é o próprio respeito. Hoje Fernando era apenas o vovô Nando. O qual já fora Fernandinho, Nandico, Fernandão e unicamente chamado por sua falecida esposa de Nandinho.
Um eterno boêmio, apaixonado pela vida e pelas oportunidades que esta lhe proporcionava. Líder de movimentos estudantis contra o governo. O futuro da juventude. Defensor de uma melhor educação. Hoje não passava de um contador de histórias para o neto. Para ele o tempo era o único inimigo invencível. Mas só se deu conta disso quando sua esposa morreu. A cada minuto sentia sua falta e aborrecia-se ao se dar conta disso.
“E todos os dias ele roubava uma flor do jardim do vizinho para dar a ela.”
O ‘ele’ era Fernando. O ‘ela’ era uma das várias namoradas que teve. Gonçalo ria, se divertia, idolatrava e interpretava os vários Fernandos e suas facetas. E para Fernando esta era uma maneira de imortalizar-se sem escrever uma palavra.

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1 Response to Contos Diários - 1 -

  1. Anônimo says:

    “E todos os dias ele roubava uma flor do jardim do vizinho para dar a ela.”

    Um dos seus melhores contos. (L)