Abajur

Cheguei na hora marcada.
Na verdade, cheguei algumas horas antes. Estava nervosa. Eu sabia o que queria, mas estava nervosa. Na verdade, eu não sabia porque estava ali, não sabia porque tinha ligado pra ela e nem marcado aquele jantar. Só sabia que queria estar ali.
Subi até o apartamento na hora marcada. O peso das sacolas mantinha-me firme, sem ficar pensando se deveria continuar ou não. Do corredor eu escutava aviões cumprindo suas manobras diárias lá fora. Estava frio ali. Desejei que ela tivesse um aquecedor no apartamento. Desejei que ela não estranhasse todo o meu empenho em estar com ela. Bati três vezes na porta, verifiquei as sacolas: vinho, macarrão, molho de tomate, queijo, bacon e chocolates. Sempre achei que vinho, macarrão e chocolates eram um bom jeito de se firmar uma amizade.
Ela abriu a porta. Usava jeans, uma camiseta em listras horizontais em preto e branco e sapatilhas. Seus cabelos estavam curtos como na última foto que me mostrara. Ela estava linda. Ficamos um tempo paradas, sem desviar o olhar. Até que o peso das sacolas me trouxe de volta. Entrei no pequeno apartamento abarrotado de livros e quadros por todos os lados. Eu só tinha estado uma vez ali e adorava o lugar.
Fomos pra cozinha conversando sobre meu trajeto até chegar ali, sobre o clima, sobre a faculdade. Éramos assim: um assunto puxava o outro. Anna era assim. Pelo menos quando estava com vontade de conversar, pois se não estivesse, estaríamos as duas jogadas no sofá lendo algum livro. E eu não iria me importar nem um pouco. Porque até o silêncio com ela era algo bom de se compartilhar.
Ela fez o macarrão delicioso. Depois fomos para o sofá com o vinho. Ela queria mostrar-me os últimos textos que havia escrito. Eu simplesmente adorava o que Anna escrevia e ela nunca acreditava quando eu dizia isso. Era engraçado. Pela primeira vez eu gostava de algo que algum amigo escrevia, eu falava que gostava e ela achava que eu estava apenas sendo educada.
Chegamos na metade da garrafa. Os textos já tinham acabado, só tínhamos a luz do abajur iluminando a sala. Estava um clima bom. Encostei minha cabeça eu seu ombro tentando escolher algumas palavras. Como dizer? O que dizer? E afinal, era necessário dizer? Então ela segurou minha mão, começou a fazer carinho. Eu correspondia. Eu sabia o que estava fazendo. Sabia o que queria.
- Por que você está aqui, Samy? - Ela perguntou virando seu rosto pra mim. Nossos narizes roçaram um no outro.
- Por você.
Respondi acariciando seus lábios. Sem hesitar em nenhum momento. Ela continuava me olhando e eu olhava apenas para sua boca.
Meu medo. Meu medo sempre foi correr atrás do que eu queria e ao estar tão perto, ela fugir. E ali ficamos, sob a luz do abajur.

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