Désespoir agréable

A vida inteira estive acostumada a resolver ou tentar amenizar minhas inquietações sozinhas. Digo inquietações que é pra vida não parecer tão problemática do que ela já é. Desde pequenas coisas, como por exemplo, o despertador. Nunca aprendi a lidar com ele. Acabava dormindo tensa por não querer acordar com aquele barulho aterrorizante. E é verdade quando digo que toda vez acordo antes do despertador. As raras exceções envolvem quando durmo com outra pessoa. Parece que deixo a responsabilidade pra ela de lidar com o despertador.
Poucas vezes esse contrato deu certo. Alguns dias. Nos restantes me batia um aborrecimento. Quando inventaram a porcaria da sonequinha de 5 minutos foi a minha morte. Você dorme e aí de repente vem o barulho. Daí você dorme e novamente o barulho. Não dá pra acordar de bom humor assim. 
Hoje achei aquele guardanapo que rabiscamos no bar. As tais combinações, pois dizer limites não te agradava. "Não há limites, Fernão". Sei que no meio das combinações tinha algo sobre proibir despertadores.
A primeira delas: nada de declarações. 
Era a que mais me afetava. Logo eu, acostumada a mimar em todos os modos. Só me era permitido tua pele. Ali eu poderia me declarar o quanto quisesse. Tu preferias sentir do que ouvir, do que ler.
Essa era a combinação máxima: sentir sempre.
E a gente sente tanto que chega a doer. Você encontrou um meio de entrar na minha vida tão sutilmente que já nem percebo mais quando estás passeando pelos corredores mais escuros de minha mente. A música é a chave. Sempre foi. É através dela que vou te conhecendo. Não é clara feito água, mas ajuda. Deixei o vinil do Erik Satie tocando, o mesmo que toca naquele conto do Caio Fernando Abreu que você leu pra mim. Não lembro o nome agora. Só lembro que me apaixonei mais quando você colocou esse piano suave ao fundo, acendeu o cigarro e começou a ler Caio no meio daquela tarde quente. 
É um daqueles momentos em que a gente se desliga do mundo e apenas escuta. O piano, sua voz, as palavras de Caio. Virou um mal costume que não conseguimos desfazer. Ler, fumar, música, nós. Estamos doentes e não somos nossa cura. E nem de longe queremos cura. A intensidade de sentir é o que move. E a gente se move bem devagar, tentando não levantar poeira, não chamar atenção. Mantendo as inquietações no peito e criando muitas outras. 

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